FOLHAPRESS – Na história que “Tudo Vai Ficar Bem”, Pat e Angel formam um casal harmonioso por cerca de 40 anos. As duas mulheres têm uma relação boa com a família, tanto que promovem um jantar de dia festivo em que todos se reúnem.
Os problemas começam quando Pat morre repentinamente, na noite da festa mesmo. Não sendo casadas, quem toma o lugar principal nas cerimônias fúnebres é o cunhado, o irmão de Pat, por determinação de um sacerdote. Ele determinará que as cinzas não sejam jogadas no mar, como Pat queria, mas guardadas numa urna. Angel engole a decisão.
As coisas vão piorar, porque legalmente o herdeiro é o mesmo cunhado, aliás um fracassado profissional. Ele, aos poucos, manobrará para que Angel tenha de deixar o apartamento onde as duas viveram juntas por décadas.
O mundo cai sobre a cabeça da mulher. E aí as virtudes do diretor Ray Yeung começam a aparecer com toda clareza. Não se trata apenas de fazer bom uso da elipse para evitar que momentos dramáticos tomem a frente. Trata-se, entre outros, de evitar que a dramaticidade interfira em sua demonstração.
E mais: de evitar que um tema de repercussão geral, a relação entre as famílias e as heranças, a ambiguidade entre sentimentos e propriedade, fique restrito à comunidade LGBTQIA+. O caso de Angel é bem específico e é assim tratado pelo filme: estamos em Hong Kong, sua legislação é que dita os acontecimentos.
E como as duas senhoras nunca puderam se casar, o mundo de Angel tende a desmoronar, pois mesmo os sobrinhos, mais solidários com ela, acabam mostrando que também têm interesses na história.
Ou seja, apesar do caso ser particular, sua repercussão vai muito além: morte, herança, sentimentos, família a junção desses fatores está longe de ser rara, os processos sobre sucessão lotam os arquivos da Justiça.
Como filme LGBT, “Tudo Vai Ficar Bem” usa uma estratégia rara entre seus pares. Em vez de tentar convencer o espectador de seu ponto de vista, procura demonstrá-lo. Trabalha com a devida secura os eventos que atingem Angel e não tenta vilanizar a família, as pessoas têm interesses, que não são necessariamente sórdidos e merecem ser expostos.
Com a mesma habilidade, Ray Yeung evita bobagens como ficar tratando de algo como a vida sexual feliz do casal (está visto que é feliz, porque a afetividade entre elas é tão evidente quanto as afinidades). E o faz com tal eficiência que, por fim, o prêmio Teddy que ganhou no Festival de Berlim destinado a produções queer soa paradoxalmente injusto: em vez de ampliar sua plateia, tende a aprisionar o filme em um circuito específico.
TUDO VAI FICAR BEM
– Avaliação Muito bom
– Classificação 14 anos
– Elenco Patra Au Ga Man, Maggie Li Lin Lin e Tai Bo
– Produção Hong Kong, 2024
– Direção Ray Yeung
INÁCIO ARAUJO / Folhapress