MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O avião do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pousou no aeroporto de Manaus na manhã deste domingo (17), às 13h30 no horário de Brasília (às 12h30 na hora local), dando início a uma visita do americano à região amazônica brasileira, ainda que curta e limitada a espaços mais urbanos.
Esta é a primeira vez que um presidente americano, no exercício do cargo, faz uma visita do tipo, segundo a Casa Branca.
A agenda de Biden, divulgada na última quinta-feira (14), prevê um sobrevoo sobre a região, uma visita ao Musa (Museu da Amazônia), em Manaus, e uma declaração à imprensa. O presidente deixou o Air Force One diretamente para um helicóptero, do qual avistará a amazônia.
Entre as áreas escolhidas para o sobrevoo, foram sinalizadas partes da floresta que sofreram com fogo e erosões, e o encontro das águas dos rios Negro e Solimões. Biden será acompanhado pelo cientista Carlos Nobre, da USP (Universidade de São Paulo).
O climatologista é conhecido mundialmente por seus estudos na região da amazônia, na liderança de pesquisas sobre os impactos climáticos do desmatamento. Foi um dos autores do quarto relatório de avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), que recebeu o Nobel da Paz em 2007.
Além de Nobre, Biden foi recepcionado na pista do aeroporto pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), e pelo prefeito de Manaus, David Almeida (Avante).
Também está previsto um encontro com lideranças indígenas e outros pesquisadores que atuam com questões relacionadas ao bioma amazônico.
Nesta manhã, antes do pouso do Air Force One, o governo americano anunciou que o país vai aportar mais US$ 50 milhões (R$ 289,5 milhões) no Fundo Amazônia, destinado à conservação da floresta no Brasil.
O montante se soma a outros US$ 50 milhões prometidos pelos EUA em fevereiro de 2023, por ocasião da visita do presidente Lula (PT) ao país, no início da atual gestão do petista. Naquele momento, o governo brasileiro considerou decepcionante o anúncio feito pela Casa Branca e o valor não foi citado no comunicado conjunto da visita de Lula a Biden.
Em abril de 2023, Biden afirmou que a intenção do país era de injetar, ao todo, US$ 500 milhões no Fundo Amazônia, ao longo de cinco anos.
O comunicado deste domingo afirma que o novo aporte “elevará as contribuições totais dos EUA para o Fundo Amazônia para US$ 100 milhões”, mas que está sujeito a aprovação do Congresso.
Até agora, as contribuições americanas já depositadas foram de US$ 3 milhões (R$ 14,9 milhões, na cotação à época), em dezembro de 2023, e de US$ 47 milhões (R$ 256,9 milhões), em agosto de 2024, segundo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), gestor do Fundo Amazônia.
Na visita a Manaus, a maior capital da região amazônica, Biden anunciará também que a sua gestão cumpriu a promessa de aumentar o financiamento climático internacional dos EUA, chegando a mais de US$ 11 bilhões por ano até 2024.
Isso, segundo a Casa Branca, torna “os Estados Unidos o maior provedor bilateral de financiamento climático do mundo”, com “um aumento de mais de seis vezes em relação ao US$ 1,5 bilhão em financiamento climático que os EUA forneceram no ano fiscal de 2021”.
Para marcar a data, Biden colocará no calendário oficial dos EUA o 17 de novembro como o Dia Internacional da Conservação.
A administração do democrata se encerra em janeiro de 2025, quando o republicano Donald Trump assume o cargo de presidente. Ele derrotou a vice de Biden, Kamala Harris, e deve ir na direção contrária da política ambiental do atual chefe do Executivo norte-americano. Trump promete, inclusive, retirar novamente o país do Acordo de Paris.
Biden, segundo o comunicado, anunciará também outras iniciativas voltadas à preservação da amazônia.
Entre as medidas estão o lançamento de uma coalizão para restauração florestal e bioeconomia, que inclui o BTG Pactual e 12 parceiros, com o objetivo de mobilizar US$ 10 bilhões até 2030; o aporte de US$ 37,5 milhões da instituição financeira DFC para um projeto de reflorestamento desenvolvido pela Mombak Gestora de Recursos; e o apoio ao plano do governo Lula de criar o Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF, na sigla em inglês).
O comunicado da Casa Branca cita outras iniciativas, como o aproveitamento da demanda por créditos de carbono, envolvendo o governo do Pará; cooperação entre o DFC e o BNDES, o banco de fomento equivalente no Brasil; e parcerias com o governo brasileiro, universidades e ONGs (organizações não governamentais) para combate a exploração ilegal de madeira, por exemplo.
Sobrevoo e visita a museu
O Musa, que será visitado por Biden, é uma parte verde em Manaus. A cidade é pouco arborizada e se configura numa mancha urbana encravada na floresta amazônica.
O museu ocupa 100 hectares da reserva florestal Adolpho Ducke, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). É um dos poucos lugares em Manaus onde turistas podem ter contato com a floresta. Há, no Musa, uma torre de 42 metros para observação das copas das árvores. Diversos grupos de pesquisa atuam no museu.
Na visita no Musa, o presidente dos Estados Unidos será acompanhado pelo diretor-geral da instituição, Filippo Stampanoni, e pelo diretor do Inpa, Henrique dos Santos Pereira.
Segundo a Casa Branca, as lideranças indígenas que estarão com Biden são Kelliane Wapichana, que atua em Roraima, Altaci Kokama e Simone Xerente, que integra uma brigada contra fogo na floresta composta por mulheres.
Do gabinete de Biden, estarão presentes o secretário de Estado, Antony Blinken, o conselheiro de segurança nacional, Jake Sullivan, o conselheiro especial para Américas, Chris Dodd, e o enviado para assuntos de clima, John Podesta. A embaixadora dos Estados Unidos no Brasil, Elizabeth Bagley, também estará presente.
Biden estava em Lima, no Peru, onde participou da reunião da Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico). Ele chegou ao aeroporto em Manaus sob forte esquema de segurança.
De Manaus ele segue ao Rio de Janeiro, ainda neste domingo, para participação na cúpula do G20, da qual o Brasil é anfitrião.
A cúpula ocorre na segunda (18) e na terça (19), dia em que o presidente norte-americano terá um almoço de trabalho com o presidente Lula, conforme a agenda divulgada pela Casa Branca.
HISTÓRICO
Entre 1913 e 1914, um ex-presidente dos Estados Unidos, Theodore Roosevelt (1858-1919), participou de uma expedição pela amazônia, passando por regiões de floresta intocada, ao lado do marechal Cândido Rondon (1865-1958), militar e sertanista brasileiro responsável por mapeamentos e avanços por regiões amazônicas pouco acessíveis na época. Roosevelt já era ex-presidente quando houve a expedição.
Mais de cem anos depois, o atual chefe do Executivo dos Estados Unidos se depara com um bioma que vive os efeitos continuados de uma emergência climática sem precedentes, associada, entre outros fatores, ao aquecimento global.
No curto período em que estará nessa parte da Amazônia ocidental, e nos limitados espaços a serem percorridos, o presidente dos Estados Unidos pode não ter a real dimensão da crise climática enfrentada pelo bioma e pela população amazônida. Uma descrição da dimensão da crise deve ser feita pelos indígenas e cientistas escolhidos para o encontro com Biden.
O rio Negro, que margeia Manaus, segue em níveis críticos, numa lenta recuperação da seca mais severa já registrada. Novembro ainda registra ocorrência de queimadas no Amazonas. As chuvas estão abaixo da média para o período. A temperatura, acima da média.
Todos os 62 municípios do estado estão em alerta quanto aos níveis dos rios e em situação de emergência, segundo dados públicos da Defesa Civil do Amazonas atualizados na última quarta (13).
A estiagem ainda impacta a população, com isolamento de comunidades e dificuldades de navegação pelos rios. Ao todo, 212,7 mil famílias 850,9 mil pessoas já sofreram impactos da seca extrema no estado, conforme a Defesa Civil.
Na Amazônia brasileira, especialmente na parte ocidental, onde está o Amazonas, houve dois períodos de seca extrema seguidos, em 2023 e em 2024. O pior já passou, mas a recuperação é lenta, com efeitos prolongados à população, especialmente a quem vive em comunidades ribeirinhas.
Entre os fatores da crise, estão o prolongamento do El Niño (aquecimento acima da média no oceano Pacífico, perto da linha do Equador), o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, o desmatamento e a degradação da floresta associada especialmente ao fogo e as mudanças climáticas.
Os Estados Unidos são o segundo maior emissor mundial de gases de efeito estufa, principais causadores mudanças climáticas. Ficam atrás apenas da China.
VINICIUS SASSINE / Folhapress