RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Ao não priorizar a Guerra da Ucrânia nas negociações do documento final do G20 enquanto líder do fórum, o Brasil e o seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), podem ter perdido sua última chance de servir como mediador no conflito. Esta é a visão do embaixador ucraniano em Brasília, Andrii Melnik.
O diplomata discutiu o tema com a reportagem nesta segunda-feira (18), momentos antes da divulgação do comunicado final da cúpula do G20 -a redação final do documento, antecipada pela Folha de S.Paulo, cita o conflito no Leste Europeu, mas não a Rússia, o país agressor, e dá mais espaço a outra guerra em curso, na Faixa de Gaza, do que a ele.
“Achávamos que talvez pudesse surgir algum sinal, não apenas dos países do G7, porque com eles estamos na mesma página, mas também do G20. Mas eles decidiram não fazer isso”, diz Melnik, fazendo referência, nesta ordem, ao grupo dos países industrializados e aos Estados-membros do fórum, cujo principal encontro anual acontece no Rio de Janeiro nesta semana.
“Não estamos competindo por atenção, não é esta a nossa postura. Mas a Rússia está na mesa, e é este o ponto”, afirma o ucraniano. “Não é o [Vladimir] Putin, graças a Deus, é um diplomata. Mas ele está lá”, completa -o presidente russo foi convidado para a cúpula mas, alvo de um mandado de prisão internacional, anunciou no mês passado que não viria ao Brasil, evitando assim possíveis constrangimentos.
“Esta poderia ter sido a oportunidade de usar a presidência do G20 também para enviar alguns impulsos de paz. Eles poderiam ter sido insuficientes, ou mal-sucedidos, mas pelo menos haveria uma tentativa, e isso não aconteceu. O Brasil perdeu essa chance e não sei quando a próxima oportunidade virá.”
Melnik explica que a noção de “última chance” se deve à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos no início deste mês. Ele afirma que, até agora, os únicos a proporem um plano de paz tinham sido os chineses e os brasileiros -por ilusória que seja a ideia da dupla, acrescenta ele.
Trump prometeu acabar com a Guerra da Ucrânia “em 24 horas”. E, por mais que não se saiba qual será exatamente a sua sugestão, é difícil conceber que ela envolveria Pequim, o principal adversário de Washington no tabuleiro geopolítico, completa o embaixador.
Melnik diz que, apesar de ter esperança do contrário, ele já esperava a falta de menção à Ucrânia na declaração final do G20. Questionado sobre a dimensão da responsabilidade que ele atribui ao Brasil na negociação do documento, que foi afinal aprovado por todos os demais países-membros do fórum, o embaixador responde que o problema é que, nos bastidores, o país desde o princípio defendia não mencionar a Guerra da Ucrânia.
O argumento brasileiro era de que as divergências sobre o conflito poderiam ofuscar discussões do fórum em outras áreas, como economia, saúde e ambiente. Essas discordâncias por pouco não fizeram com que a cúpula passada do grupo, na Índia, terminasse sem uma declaração comum. A ausência de um consenso neste encontro não só enfraqueceria o fórum como um todo, como significaria uma derrota para o mandato do Brasil na presidência dele.
O país até tentou isolar essa questão em uma declaração separada, mas os Estados-membros seguiram insistindo -um ataque da Rússia à Ucrânia na véspera do início da cúpula, no domingo (17), aumentou a pressão para citar o conflito no Leste Europeu.
Também não atendeu a solicitação do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, para participar do evento, argumentando que a negociação de paz não é um tema da cúpula.
Melnik critica a postura brasileira, que segundo ele “fecha os olhos” para o que está acontecendo no Leste Europeu. Para o embaixador, todos os temas que a presidência brasileira insistiu em promover durante o seu mandato no G20 e que constam na sua declaração final, incluindo sustentabilidade, taxação dos super-ricos e reforma dos organismos multilaterais, serão impactados pelo conflito.
“O fim desta guerra redefinirá todos os planos, quer se queira ou não. É uma ilusão achar que se está a salvo por viver tão longe da Ucrânia”, diz ele. Mas se ninguém parar Putin, “ele não vai parar”. “Por que ele faria isso?”, acrescenta.
CLARA BALBI / Folhapress