SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os elevadores do edifício Ouro Para o Bem de São Paulo até funcionam, mas não são confiáveis. Por isso, Joana Pizon, 53, desce lentamente sete andares de escada até chegar ao térreo, no Largo da Misericórdia, na Sé. No hall de entrada, uma placa de metal evidencia a proprietária do prédio: a Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.
Em outubro, a instituição colocou à venda seis imóveis para tentar diminuir a dívida de R$ 650 milhões. Entre eles, está o endereço do histórico prédio ocupado por Joana e 80 famílias do MMCR (Movimento de Moradia Central e Regional) desde fevereiro, avaliado em R$ 29,5 milhões.
O edifício foi inaugurado em 1939 em homenagem à Revolução Constitucionalista de 1932. A fachada é composta por 13 listras em concreto que representam as 13 faixas da bandeira paulista. No alto, uma abóbada remete a um capacete militar.
A qualquer momento, a Justiça pode retirar Joana e os vizinhos de porta para atender à reintegração de posse pedida pela Santa Casa. Agora, a defesa do movimento tenta costurar uma saída pacífica com contrapartidas de atendimento de saúde aos que estão sem teto.
Há cerca de seis anos, Joana desmaiou durante o trabalho, como auxiliar de limpeza. À época, já vivia em uma ocupação no centro e buscou o hospital de referência na região: a Santa Casa de São Paulo. No prédio de estilo neogótico na Vila Buarque, os médicos descobriram que ela sofria com uma doença encefálica e que ela precisava de cirurgia.
Seis meses depois, ela foi operada e as dores cessaram. Apesar disso, desde setembro de 2023 ela espera um exame intracraniano na Santa Casa para acompanhar a evolução da doença neurológica, que a paralisou em um dos lados do corpo e prejudicou a audição. “Eles me pediram para marcar por e-mail. Enviei e até hoje nunca chamou”, diz.
Desde então, ela carrega uma bolsa com um punhado de medicamentos: antitérmicos, analgésicos e, o mais importante deles, um remédio para diminuir o risco de convulsões.
“Joana é uma farmácia ambulante”, diz a assistente social Maria Conceição Soares, 56. Posicionada atrás de uma pilha de documentos dos moradores, Maria diz ter firmado uma parceria com uma universidade privada para que consigam médicos residentes para atendimentos de rotina, o que não inclui exames.
“Aí a gente busca serviço social, hospitais e vamos tentando marcar os casos mais urgentes. Nem sempre conseguimos, mas tentamos”, diz Maria, que encaminha os pacientes às filas das UBS (Unidades Básicas de Saúde) no centro.
Desde 2014, o hospital demite profissionais para diminuir as dívidas. Segundo médicos e ex-médicos da Santa Casa à Folha, apenas o setor de radiologia registrou 20 demissões há três meses. Para 2024, o Simesp (Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo) calculou 25 médicos demitidos, dado que exclui enfermeiros e assistentes.
Na década de 30, o cenário era diferente. A população paulista doou ouro, joias e dinheiro ao exército paulista durante a Revolução de 32. O dinheiro excedente foi doado para a Santa Casa, que ergueu o edifício em homenagem às forças paulistas contra o governo provisório de Getúlio Vargas.
O prédio foi um acréscimo ao patrimônio já acumulado pela Santa Casa durante décadas, com doações da chamada “irmandade” que iam de terrenos a prédios e mansões.
Em nota, a Santa Casa afirma que as salas do Ouro eram alugadas para escritórios, mas que a “degradação do centro histórico de São Paulo” afugentou “muitas empresas da região”.
Além do edifício Ouro Para o Bem de São Paulo, a Santa Casa vendeu também o antigo prédio do Mappin, na praça Ramos de Azevedo, comprado em 2019 por R$ 70 milhões e hoje sob administração do Sesc. A expectativa da instituição é levantar R$ 200 milhões com as vendas dos imóveis em cinco anos.
“A gente pesquisou tudo, mas nunca imaginamos que o prédio era da Santa Casa”, diz a líder do movimento Jomarina Pires, 67. Segundo ela, os moradores são responsáveis pela limpeza e manutenção do prédio, também encaminhadas à lista de programas de habitação do governo estadual e municipal.
“Se você vulnerabiliza uma área, que é a moradia, todas as demais ficam fragilizadas. Se essas pessoas forem colocadas na rua, o destino de uma parte dela será dos hospitais”, diz o advogado do movimento, Willian Fernandes.
Em resposta, o hospital afirma que já oferece atendimento em prontos-socorros, mas que os casos de atenção primária podem ser buscados nas UBS da região. Sobre o caso de Joana, recomenda que ela entre em contato com o hospital para verificar o agendamento.
O prédio ainda é casa da maranhense Simone dos Santos, 38, mãe de Heitor, 3. O menino é diagnosticado com Síndrome de Moebius, que provoca paralisia e malformação. Hoje, é atendido por fonoaudiólogos e ortopedistas em um hospital para crianças com deficiência na zona sul.
“Se for para a gente ir para rua, nós vamos”, diz. “Eu não vou voltar para o Maranhão. Quero meu apartamento aqui”, diz.
MARCOS CANDIDO / Folhapress