RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Brasil lançou mão de uma “operação fato consumado”, nas palavras de um participante, para passar por cima da oposição da França e anunciar consenso no G20.
No final da última reunião plenária de segunda-feira (18), no MAM, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que a declaração dos líderes do G20 estava aprovada e bateu o martelo.
Naquele momento, aos 45 minutos do segundo tempo, o sherpa (negociador) da França, Emmanuel Bonne, levantou a mão. Ele disse que queria ver os termos da declaração e submetê-los ao presidente francês, Emmanuel Macron, que não estava na sala naquele momento.
Segundo relatos de pessoas presentes na reunião fechada ao público, o presidente Lula recorreu ao sherpa brasileiro, Mauricio Lyrio. Lyrio argumentou que o processo de negociação havia levado um ano e as mudanças pedidas já haviam sido feitas.
O francês engoliu em seco e fez menção de protestar. Mas Lula, logo na sequência, passou a palavra ao presidente argentino, Javier Milei. Como negociado entre os dois governos, Milei fez uma breve fala sobre a oposição da Argentina ao tratamento dos temas de desinformação, igualdade de gênero e Agenda 2030 na declaração final, mas afirmou que o país não iria impor obstáculos à assinatura do documento.
Nesse momento, sem que houvesse tempo para que o negociador francês se opusesse, Lula voltou a bater o martelo e anunciou que a declaração estava aprovada.
Mais tarde, a Folha de S.Paulo indagou ao negociador francês se ele acreditava que a negociação havia sido bem-sucedida, e ele respondeu “Foi o que deu para fazer”.
Até a manhã desta terça-feira (19), os franceses não haviam voltado a se queixar da declaração.
O texto de geopolítica havia sido aprovado no sábado (16), antes do ataque da Rússia a várias instalações de infraestrutura na Ucrânia. Os franceses e americanos, com maior insistência de Paris, argumentavam que a situação havia mudado e era preciso endurecer a declaração no parágrafo sobre o conflito na Ucrânia.
A Rússia se opunha à condenação de ataques a infraestrutura na Ucrânia, afirmando que os ucranianos, com ajuda dos ocidentais, haviam atacado o gasoduto Nordstream, em setembro de 2022. Mas após conversa com o chanceler Serguei Lavrov, os russos concordaram e, durante a plenária, foi incluído o rechaço a ataques contra infraestrutura ucraniana. Uma outra mudança pedida pela França também foi incluída.
Ainda assim, alguns europeus não estavam satisfeitos e pressionavam por maior destaque para o conflito na Ucrânia que teve muito menos ênfase na declaração do que a guerra em Gaza.
Mas o texto refletiu a vitória dos emergentes na queda de braço com o G7. Os países em desenvolvimento acham que americanos e europeus expressam “raiva seletiva” e que já haviam emplacado, nas últimas duas cúpulas do G20, inúmeras condenações aos ataques contra a Ucrânia.
Arábia Saudita, Turquia e Indonésia, em especial, estavam inflexíveis em relação à necessidade de ter uma condenação mais veemente às mortes de civis em Gaza, um pedido de cessar-fogo e apoio à solução de dois Estados e foi isso que prevaleceu.
Alguns diplomatas europeus se queixaram de que o Brasil teria “tratorado” e imposto sua visão.
Mas seria muito alto o custo político de protestar após o presidente do país anfitrião ter celebrado a aprovação da declaração já era fato consumado.
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress