PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – A senadora e ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina (PP-MS) afirmou em Pequim que o Brasil “tem que acompanhar muito de perto” a movimentação do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação à China.
“Trump gosta de negociar”, diz ela à Folha de S.Paulo. “Pode fazer uma negociação e impor produtos agrícolas para a China, em reciprocidade.” Foi o que fez no primeiro mandato, acrescenta, e pode repetir agora, após ameaçar tarifas de até 60% sobre produtos chineses durante a campanha.
“Os EUA competem na área agrícola conosco de igual para igual”, diz. “Por muitos anos, tiveram mais soja que o Brasil, hoje nós passamos. São campeões na produção de milho. Estamos chegando lá, mas são eles.”
Essa concorrência direta, segundo a senadora, que veio à capital chinesa para reuniões e um seminário de biotecnologia, explica por que “a balança é bem desfavorável ao Brasil” no comércio com os EUA. Por outro lado, também a China preocupa.
“Os chineses estão fazendo um esforço enorme para produzir soja e, na hora em que entrarem na biotecnologia, o salto da produtividade será muito rápido, como foi o nosso há 22 anos”, diz ela.
Cita limites para o país, em terras aráveis e água, mas, “no que eles têm de área de soja, milho, algodão, tudo em que usarem os transgênicos deve ter acréscimo”.
Com a perspectiva de maior concorrência pelo mercado chinês, tanto de americanos como dos próprios produtores chineses, “a gente tem que prospectar também outros países” para as exportações brasileiras. “Você tem todo o entorno da China, a Asean”, diz, citando a Associação das Nações do Sudeste Asiático.
Segundo ela, “todos esses países têm crescimento chinês agora, Vietnã, Malásia, Tailândia. O país cresce, gera riqueza, onde é o primeiro lugar em que coloca recursos? Na alimentação da sua população”.
Avalia porém que o Brasil deixa escapar “uma fatia grande do que poderia ganhar, não só na soja, mas carne, tudo, por causa da nossa logística, que é muito cara”. Por ser rodoviária e por estar longe do mar, dos portos.
Questionada sobre o porto de Chanqay, que está sendo aberto nesta semana no Peru durante visita do do líder chinês, Xi Jinping, comenta que ouve falar sobre uma ferrovia ligando o Brasil ao Oceano Pacífico há décadas.
“Sob o ponto de vista da logística, é muito interessante”, diz, sobre a ferrovia até Chanqay. “E ela não vai transportar só para a China, mas para o mundo todo. Seria muito importante.”
Segundo ela, a Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês), o programa de infraestrutura de Pequim para o exterior, é mais que uma alternativa para viabilizar essa ferrovia. “Hoje, se você me perguntar, é a única”, diz Tereza Cristina, que é engenheira.
Ela não parece esperar que o governo Lula assine a entrada na BRI, durante a visita de Estado de Xi, no próximo dia 20. “Esse é um ponto que há muitos anos o Brasil discute, e a gente sempre vê o recuo. Vai, vai e depois tem o recuo.”
Mas também defende cuidado na decisão. “O Brasil tem que decidir se é do seu interesse ou não. Para o agronegócio, é, mas a gente não pode pensar só no agro. Temos que pensar como Estado brasileiro. Enfim, na indústria.”
A busca de novos mercados, inclusive a Índia, e a defesa da indústria brasileira não representam menos atenção à China. “Você tem que ver que este país é gigantesco. Olha o PIB da China. Aí todo mundo fala, ‘Ah, está crescendo pouco’. Mas está crescendo 5%!”
Avalia que “o próximo passo é a agregação de valor nas nossas commodities para mandar para cá”, permitindo até economia de transporte.
“Já estamos crescendo muito em valor agregado na proteína animal, nos últimos tempos”, diz, prevendo um rearranjo nas cadeias produtivas que exigirá “discutir muito”.
NELSON DE SÁ / Folhapress