Milei volta para a Argentina após o G20 quase longe de polêmicas no Rio de Janeiro

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Até aterrissar no Rio de Janeiro, o presidente da Argentina, Javier Milei, parecia representar uma das maiores ameaças ao sucesso do mandato do Brasil no comando do G20.

A mando do ultraliberal, a delegação de Buenos Aires vinha impondo uma série de entraves à já complicada negociação do comunicado final da cúpula. O país levantou objeções a trechos que defendiam os direitos das mulheres e a igualdade de gênero; aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e à Agenda 2030 da ONU; e à taxação dos super-ricos, assunto de importância máxima para o governo brasileiro.

Além disso, havia o temor de que o argentino utilizasse a ocasião para se encontrar com Jair Bolsonaro (PL), constrangendo publicamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Não seria algo inédito —Milei é conhecido por sua intempestividade em viagens, e a primeira visita dele ao Brasil após eleito foi para se reunir com Bolsonaro em um evento da ultradireita, a Cpac (Conferência de Ação Política Conservadora).

Milei pareceu, contudo, querer se afastar de confusão nos três dias que passou na cidade, ao menos em certa medida. A reportagem acompanhou a maioria de suas idas e vindas do local onde se hospedou, em Copacabana, no período. Nessas ocasiões, acompanhado da irmã, Karina, ele não se deteve ao ver fãs e ignorou os poucos jornalistas que pediam declarações —instalado a algumas quadras dali, seu homólogo francês, Emmanuel Macron, foi visto caminhando na orla e cumprimentando passantes mais de uma vez.

Além disso, depois das barreiras ao documento final, o argentino acabou por assiná-lo, ainda que só depois de expressar suas ressalvas repetidas vezes: na reunião que aprovou o comunicado, pediu a palavra para marcar sua oposição aos trechos dos quais discordava, e emitiu uma declaração à parte na qual afirmava que, para atingir o objetivo proposto pelo G20, combater a fome e a pobreza, era necessário desregulamentar a economia, tal qual o seu governo vem fazendo.

Talvez as principais evidências do desconforto de Milei ao longo da cúpula tenham sido imagéticas. Diferentemente do que ocorreu com os demais chefes de Estado, o aperto de mão entre ele e o presidente Lula na cerimônia de abertura do G20 nesta segunda-feira (18) foi seco, formal.

Depois, o retrato oficial dos dois virou meme ao ser comparada com fotografias do petista com outros líderes —enquanto Lula surge sorridente mesmo com aqueles com quem tem diferenças ideológicas, como a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, ao lado de Milei sua expressão é fechada, assim como a do argentino.

Milei acabou, aliás, ficando de fora da segunda fotografia oficial da cúpula, realizada nesta terça-feira (19) depois que constatou-se que na primeira, tirada na véspera com o Pão de Açúcar ao fundo, estavam ausentes o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o premiê canadense, Justin Trudeau, além de Meloni.

Se na vida real o ultraliberal ao que tudo indica se absteve de provocar Lula, não fez o mesmo nas redes, compartilhando na segunda (18) uma publicação no X que chamava o petista de esquerdista e comunista e exaltava Bolsonaro.

Seja como for, há razões pragmáticas para o aparente comedimento de Milei. E a principal delas é a sua menina dos olhos, a economia —o Brasil é, afinal, o principal parceiro comercial da Argentina.

O tema guiou, aliás, toda a agenda do líder às margens do G20. Ele limitou a dois seus encontros bilaterais com chefes de Estado, reunindo-se com o chinês Xi Jinping e com indiano Narendra Modi nesta terça. O argentino já tinha estado com Macron em Buenos Aires no domingo (17), e se encontrará com Meloni na mesma cidade nesta quarta-feira (20).

O encontro de Milei com Xi era o mais esperado. Durante a sua campanha, o ultraliberal disse que “não promoveria a relação com comunistas”, incluindo a China, e acusou o seu regime de ser assassino.

Depois que assumiu, porém, os investimentos de Pequim no país e os swaps cambiais, isto é, o pagamento de importações chinesas em yuans e não em dólar, aparentemente convenceram o presidente da importância da parceria menor, que só é menor do que a com o Brasil —mesmo depois de Donald Trump, aliado do ultraliberal com forte discurso anti-China, ser eleito nos EUA.

Comunicado emitido pela Casa Rosada afirma que, na reunião, os países se comprometeram a fortalecer suas relações comerciais e oficializaram convites para que Milei visite Pequim e Xi, Buenos Aires.

Ainda na terça, Milei teve reuniões com a dirigente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Kristalina Georgieva, e com o presidente da empresa italiana Enel, Flavio Cattaneo, às 13h. A Argentina é o maior devedor do FMI, tendo acumulado uma dívida de US$ 44 bilhões (R$ 254 bilhões) com o fundo, e busca bilhões em novos recursos para aliviar os rígidos controles cambiais e de capital, que dificultam a saída do país da recessão.

Já o tema da reunião com a Enel era desconhecido. É possível que ela tenha sido um aceno à companhia energética, que ameaçou deixar a concessão da distribuidora Edesur no início deste ano em razão do que descreveu como o “intervencionismo estatal dos últimos anos”, mas voltou atrás após Cattaneo ouvir os planos de desregulamentação econômica de Milei em uma reunião.

CLARA BALBI / Folhapress

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