SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os espetáculos teatrais ainda se debatem no Brasil pós-pandemia, passados dois anos, mas a Armazém Companhia de Teatro, do Rio de Janeiro, achou uma saída na China, onde neste último mês realizou uma turnê de 11 apresentações lotadas ou perto disso em Pequim, Xangai e Foshan.
Segundo o diretor Paulo de Moraes, a China está “totalmente” ajudando a companhia a se reencontrar. “A junção de Jair Bolsonaro com a pandemia foi destruidora”, diz. “A gente ficou anos sem fazer nada, cada um foi meio que se virar. Eu fui trabalhar de locutor de audiolivro.”
Mesmo com o fim do governo e da Covid, diz que o Brasil não está fácil para o setor. “Primeiro teve esse desmantelamento da política cultural. Depois teve uma esperança com a entrada do novo governo, mas está lento ainda. A sociedade está em choque ainda.”
A peça é “Brás Cubas”, inspirada no romance de Machado de Assis, com o próprio escritor como um dos personagens. A companhia já havia apresentado a montagem no país no ano passado, num festival em Wuzhen, perto de Xangai, também com público e repercussão.
“E agora a gente só tem feito esses teatrões”, comenta o diretor, citando o de Pequim, com mil lugares, parte do centro de artes Tianqiao, um complexo de quatro salas em que estão em cartaz, em longa temporada, espetáculos como o musical “O Fantasma de Ópera”.
Na saída de uma das apresentações, Summer, jovem “manager” de uma banda chinesa, questionada por que foi ao Tianqiao ver o espetáculo, respondeu: “Porque eu amo isso”. Disse que o cartaz havia chamado a sua atenção, num outro teatro, voltado a shows.
A brasileira Ana Eltermann, professora de português na Universidade de Pequim, conta que alunos seus foram ver. “Foi um impacto, porque estão no primeiro ano, nesse momento de descobrir o Brasil.” Ela mesma diz ter se impressionado com “o teatro lotado só de chineses”.
Falcon, outro espectador chinês, falou que quer ser dramaturgo, daí ter seguido a recomendação da peça, que viu no WeChat de um amigo. Elogiou a adaptação e o próprio Machado, “filosófico e fascinado por Shakespeare”. Também “o humor com sexo e a mente aberta do Brasil”.
O diretor Moraes diz que “nunca teve nenhuma questão de censura, de ter que cortar nada, mesmo com temática mais política”. Conta que a aproximação com a China começou há uma década, quando uma produtora viu a companhia no Festival de Edimburgo. “Ela adotou a gente.”
É a chinesa Joanna Dong, dona da Performance Infinity Productions, com escritórios em Londres e Pequim. Segundo ela, “o público se surpreende com o trabalho, porque muitos chineses só veem espetáculos da Alemanha, França, raramente do outro lado do mundo”.
Já trouxe outra peça brasileira, “mas é raro ver na China, principalmente devido à distância”. A plateia chinesa, comenta, “é bastante interessada em trabalhos de culturas do Sul Global, com bastante potencial para trazer mais, do ponto de vista de público”.
Além de agentes privados como Joanna, já surge alguma subvenção ao teatro estrangeiro na China. Também neste mês, “A Jornada de um Herói”, da Cia. Atores da Fábrica, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, se apresentou em festivais de Xangai e Xichang.
Foi selecionada pelo International Theatre Institute (ITI), cuja sede mundial se mudou de Paris para Xangai. A peça é sobre “essa jornada da pessoa de periferia do Brasil”, diz Jeff Fagundes, que preside o Centro Brasil do ITI e está na China para reuniões da organização.
“A relação China-Brasil está se construindo”, diz ele. “Ano que vem a ideia é levar um espetáculo daqui para lá. O projeto é estabelecer uma conexão mais forte com a China e os países do Brics. Emirados Árabes, Índia, Bangladesh, todos eles já têm [representação do ITI].”
Além do teatro, também espetáculos de música começam a ter maior projeção -e a mostrar que têm público- na China, em parte incentivados pelos 50 anos das relações bilaterais. Yamandu Costa, em março em Xangai, e Ivan Lins, agora em novembro em Pequim, Xangai e Hong Kong, se apresentaram para casas cheias.
Esses e os shows de caráter ainda mais popular, como aquele de Gilberto Gil em outubro, lotado, podem ajudar a quebrar a resistência dos promotores e donos de teatros na China, lamentada pela produtora Catherine Benainous, que ajudou a trazer o músico baiano.
Ela critica a falta de conhecimento dos interlocutores chineses sobre a produção cultural brasileira. “Quando vi todas as grandes salas que havia, em todas as grandes cidades, pensei que conseguiria uma turnê, mas descobri que talvez seja o único país onde não conhecem o Gil”, diz.
Fora Xangai, nas outras, inclusive Pequim, “não toparam o risco porque os próprios diretores dos teatros não acreditavam que havia público”. Com o êxito de Gil, ela agora tenta trazer o Sepultura, mas a luta prossegue. “A gente não consegue cachê suficiente para artistas de primeira categoria”, diz.
NELSON DE SÁ / Folhapress