Steve McQueen volta à guerra e desafia ideia de Londres pluralista em ‘Blitz’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Diante de um gênero dominado pela brutalidade e pelos rostos de homens brancos, Steve McQueen decidiu pôr no centro de seu filme de guerra a relação tenra entre um menino negro e sua mãe branca. Assim, fez de “Blitz” uma produção distante do lugar-comum.

Com estreia nesta semana no Apple TV+, o longa ventilado como provável concorrente em diversas categorias do Oscar narra o drama vivido pelos londrinos na blitzkrieg, período em que os nazistas bombardeavam áreas de civis da capital britânica rápida e deliberadamente.

É um retorno de McQueen à Segunda Guerra Mundial, que ele retratou em seu último projeto, o documentário sobre a ocupação alemã nos Países Baixos “Occupied City”, e também mais um esforço para construir uma ponte entre o cinema de época e o presente.

“Esse filme surgiu da vontade de refletir quem nós éramos, que somos hoje e o que deveríamos ser. É um filme mais sobre 2024 do que sobre os anos 1940”, diz o cineasta, em alusão às guerras em curso no mundo. “Quando você olha para o que está acontecendo em lugares como Líbano, Israel, Palestina você se pergunta se aprendemos algo com a nossa história.”

“Blitz” é centrado em George -vivido pelo estreante Elliott Heffernan-, um menino negro criado pela mãe e o avô. Seu pai, um imigrante, foi deportado antes de seu nascimento e nunca mais foi visto. Em meio aos ataques aéreos a Londres, a mãe, papel de Saoirse Ronan, decide enviá-lo para uma área isolada no interior, para protegê-lo.

Mas ele se revolta com a decisão, pula do trem que transporta o batalhão de crianças naquela mesma situação e precisa encontrar o caminho de volta para casa em meio às bombas e aos perigos inerentes à cidade grande.

Em sua peregrinação, George chega a ser sequestrado por uma gangue que entra nas casas e lojas bombardeadas para roubar joias e outros objetos de valor. São homens e mulheres que passam a mão em alianças de cadáveres que ainda não esfriaram, causando no menino -e no espectador- um horror maior que aquele provocado pela própria morte.

Diretor de “12 Anos de Escravidão”, que venceu o Oscar de melhor filme em 2014, McQueen encara seu cinema, frequentemente fincado no passado, como uma forma de entender o mundo à sua volta. Em “Blitz”, além de refletir sobre a aversão da humanidade à paz, ele investiga ainda as raízes do racismo que estrutura sociedades como a britânica.

Numa retomada dos temas que abordou em “Small Axe” -minissérie que relutou em chamar como tal, preferindo se referir aos episódios como filmes independentes-, o cineasta pincelou “Blitz” com comentários sobre tensões raciais, aversão ao estrangeiro e brutalidade policial, pondo em xeque o multiculturalismo historicamente ostentando por Londres.

Especialmente forte em tempos de discursos anti-imigração em diversos países do continente europeu e nos Estados Unidos de Donald Trump reeleito.

“Essas tensões se amplificam quando as encaramos pelos olhos de uma criança. Pela lente da inocência, a situação de guerra se torna ainda mais inconcebível”, afirma McQueen, se esquivando de críticas frequentemente direcionadas a filmes como “A Vida É Bela” e “O Menino do Pijama Listrado”, que associam a infância aos horrores da guerra.

Em “Blitz”, George tem dificuldade para assumir sua identidade enquanto fruto de uma relação interracial, algo raro à época. Num flashback, vemos meninos tirando sarro de suas feições, causando uma revolta que, em sua confusão infantil, elege como inimiga a própria cor de sua pele.

Só mais para frente o protagonista encontra sua primeira grande referência negra, na figura do policial Ife, que o resgata enquanto o pequeno perambula pelas ruas, com sirenes antibomba ecoando ao fundo. Numa das cenas mais fortes do longa, George declara, orgulhoso e como que pela primeira vez, que é, sim, um menino negro.

Para McQueen, que não vê “Blitz” exatamente como uma tentativa de levar diversidade ao gênero de guerra, mas como puro reflexo da realidade, George cresce num ambiente em que ser negro é algo negativo. Quando vê nobreza num homem que se parece com ele e que, portanto, passou por provações semelhantes, o protagonista entende a importância de ressaltar sua identidade.

Não que este tenha sido o objetivo principal de McQueen quando escreveu o roteiro. Sua intenção era fazer um filme sobre o período da blitzkrieg, sobre a experiência de ser um civil num campo de batalha, algo que se relaciona com qualquer pessoa vivendo sob a sombra da guerra, seja na Ucrânia ou em Gaza.

Também é um tema bastante pessoal, já que o cineasta passou alguns meses de 2006 no Iraque, fazendo arte em meio à violência do conflito que tomava o país à época. A ideia entrou num longo período de gestação, até ser retomada em meio às pesquisas para “Small Axe”.

Enquanto procurava material para a minissérie, uma denúncia contundente contra a xenofobia e o racismo históricos da capital britânica, ele se deparou com a foto de um menino negro sendo evacuado de Londres, durante a Segunda Guerra Mundial.

A imagem foi o que chama de “ponto de entrada” para a história que queria contar, uma história que falaria sobretudo de amor.

“A guerra é uma coisa perversa e sem sentido. Pense na Rita [personagem de Saoirse Ronan], que de dia trabalha numa fábrica de bombas e à noite precisa buscar abrigo contra ataques aéreos. Nessa realidade insana, o que a motiva é o amor pelo filho. O amor é a única coisa que ela e que nós temos.”

BLITZ

Quando Estreia nesta sexta (22), no Apple TV+

Classificação 16 anos

Elenco Elliott Heffernan, Saoirse Ronan e Benjamin Clémentine

Produção Reino Unido, EUA, 2024

Direção Steve McQueen

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

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