BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo pretende incluir em seu plano de ajuste fiscal a criação da idade mínima de 55 anos para militares passarem para a reserva, além de mais medidas voltadas às Forças Armadas, como forma de reduzir a resistência a cortes em outras áreas. O pacote é aguardado há semanas pelo mercado, mas enfrenta resistências das bases de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre os envolvidos nas discussões ouvidos pela Folha de S.Paulo, é dito que a medida tem um efeito simbólico para reunir apoio ao ajuste -já que salários do Judiciário, por exemplo, são muito maiores. A visão é que, se há contribuição até dos militares (grupo que por vezes é visto como antagonista na relação com o atual governo), outros setores também podem colaborar.
Por enquanto, a sinalização é que o espírito do pacote será mexer em regras de crescimento de gastos obrigatórios -que incluem, por exemplo, pisos de saúde e educação e o crescimento real do salário mínimo (e dos gastos ligados a ele). Planos de mudanças nessas áreas, que crescem atualmente de forma mais acelerada que o teto do arcabouço fiscal, têm sofrido resistência de quadros do PT.
Na carreira militar, as medidas já estão alinhadas entre os ministérios da Fazenda e da Defesa. No último domingo (17), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou em entrevista que o pacote a ser anunciado demandava justamente um entendimento com a pasta. Membros do governo, no entanto, afirmaram nesta quarta-feira (20) que ainda estava em andamento a construção dos entendimentos e dos textos do plano.
Não há idade mínima hoje para o integrante das Forças Armadas passar à reserva (militares não se aposentam como os civis pois, em tese, podem ser convocados em situações excepcionais como guerras). É necessário, no entanto, cumprir 35 anos de serviço militar.
Atualmente, quase um quinto dos militares inativos está há mais tempo fora das Forças Armadas do que passou contribuindo para o sistema previdenciário da categoria. O Exército é o braço que apresenta a maior quantidade de pessoas com mais tempo na inatividade do que na ativa, tanto em números absolutos quanto em dados relativos.
Como a Folha mostrou em julho, são 55,7 mil reservistas ou reformados do Exército com mais tempo de contribuição contra 21,7 mil inativos com mais tempo em recebimento de benefício. Em relação ao número total da reserva e reforma, os que contribuíram por menos tempo representam 28%.
Na Marinha, esse percentual é de 9,6% (quase 5.000 na situação) e na Aeronáutica, 7,6% (3.100 inativos).
Há a visão de que, para criar a idade mínima, será necessário fazer uma regra de transição e também uma gradação no restante do serviço militar de forma a se aumentar o tempo de progresso ao longo da carreira. Como haveria mais integrantes na ativa, também se comenta a possibilidade de uma redistribuição de espaço e de funções -embora esses pontos possam ficar para depois.
Outros três itens devem compor a parte do pacote voltada a militares. Um deles é o fim dos chamados “mortos fictícios”, como são chamados os expulsos das Forças Armadas.
O Exército gasta mais de R$ 20 milhões por ano com o pagamento de pensões para familiares de 238 mortos fictícios. A lista é composta por 38 oficiais e 200 praças que perderam o posto e a patente por terem cometido crimes ou infrações graves cujas penas somam mais de dois anos de reclusão. Os benefícios são pagos a 310 familiares.
Outra medida voltada aos militares é limitar a transferência de pensão já concedida. Após o benefício começar a ser usufruído por parentes de primeira ordem (por companheiros e filhos, por exemplo), não seria autorizada a mudança da pessoa beneficiária para alguém da segunda ordem. A quarta iniciativa é o estabelecimento de 3,5% da remuneração do militar para um fundo para a Saúde.
A depender do desenho final, as medidas podem ajudar a reduzir a pressão sobre o orçamento das Forças Armadas -que destinam 85% de suas verbas ao pagamento de pessoal e só 5% a investimentos. Os gastos com militares inativos (R$ 31,2 bilhões) e pensionistas (R$ 25,7 bilhões) em 2023 ficaram próximos do montante pago com os militares da ativa (R$ 32,4 bilhões).
O perfil de gastos para militares e familiares distancia o Brasil de sua meta de modernização orçamentária, que usa como modelo a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Somente 9 países da aliança militar destinam a pessoal mais que 50% de sua verba -e só 3 países (Portugal, Canadá e Bélgica) gastam menos de 20% com investimentos.
Uma reforma previdenciária de militares foi realizada em 2019 na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que promoveu mudanças mais benéficas ao grupo do que aos demais trabalhadores.
Dados do TCU (Tribunal de Contas da União) mostram que, enquanto o déficit per capita (por beneficiário) do setor privado, no INSS, é de R$ 9,4 mil e o dos servidores civis chega a R$ 69 mil, nas contas dos militares o valor é muito superior. Alcança R$ 159 mil.
FÁBIO PUPO / Folhapress