A cada 10 mortes no Brasil, 1 pode ser atribuída ao consumo de produtos ultraprocessados, gerando um impacto econômico da ordem de R$ 10,4 bilhões por ano ao país, de acordo com estudo nacional inédito divulgado nesta quinta-feira (21) pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).
O levantamento indica que a alimentação com itens como refrigerante, macarrão instantâneo e bolacha recheada provoca 57 mil mortes por ano, o que equivale a 10,5% de todos os óbitos registrados em 2019 ou seis mortes por hora.
Para o pesquisador Eduardo Nilson, da Fiocruz Brasília e do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP (Universidade de São Paulo), autor do trabalho, os números são impactantes, mas podem ser considerados conservadores.
“São [valores] subestimados, focados apenas nas doenças com estudos mais robustos em evidências científicas com relação aos ultraprocessados. Com mais dados [de outras comorbidades], porém, o custo com certeza seria bem maior “, afirma Nilson.
O material foi elaborado a pedido da ACT Promoção da Saúde, organização não governamental que atua em prol de políticas públicas na área.
A proposta é mostrar como o consumo desses itens ricos em sal, açúcar e gorduras saturadas são danosos à saúde e consequentemente afetam a economia, gerando despesas que correspondem, por exemplo, ao dobro do investimento anual do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) ou 300 vezes o orçamento do programa Cozinhas Solidárias.
Os cálculos tiveram como base dados hospitalares, ambulatoriais e de farmácia de pacientes adultos homens (entre 20 e 65 anos) e mulheres (entre 20 e 60 anos) atendidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde). As prevalências de obesidade, diabetes e hipertensão foram obtidas a partir da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, assumindo-se que o consumo de 2017 e 2018 tenham sido iguais aos daquele ano.
Já as informações sobre mortes foram extraídas do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM/SUS) do Ministério da Saúde e da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2017.
Do custo total estimado pelo estudo, R$ 933,5 milhões são gastos diretos do SUS com hospitais, ambulatórios e medicamentos em casos de obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão, por ano.
Embora muitas outras doenças possam ser provocadas e agravadas pelo consumo de ultraprocessados, essas três foram escolhidas para análise por serem as enfermidades crônicas mais prevalentes no país e, ainda, por já terem uma ampla base de estudos prévios que comprovam sua relação com o consumo desses produtos.
Outros gastos de R$ 263,2 milhões ao ano destacados no levantamento são relativos a custos previdenciários (aposentadoria precoce e licenças médicas) e por absenteísmo (internações e licenças médicas).
Intitulado Estimação dos custos da mortalidade prematura por todas as causas atribuíveis ao consumo de produtos alimentícios ultraprocessados no Brasil, o documento calcula, por fim, os gastos indiretos causados pela saída do mercado de trabalho de pessoas em idade produtiva. A análise indica uma perda de R$ 9,2 bilhões em razão de mortes precoces.
Em sete unidades da federação, a proporção de mortes por consumo de ultraprocessados foi maior que a média nacional: Rio Grande do Sul (13%), Santa Catarina (12,5%), São Paulo (12,3%), Distrito Federal (11,7%), Amapá (11,1%), Rio de Janeiro (10,9%) e Paraná (10,7%).
Segundo o autor, os resultados podem ser justificados, primeiro, pela distribuição populacional há mais pessoas vivendo nesses locais, como São Paulo. Depois, por fatores como maior renda regional ou pela presença, na microescala das cidades e periferias, de desertos alimentares (áreas com acesso limitado a alimentos in natura ou pouco processados nutritivos e baratos).
No que se refere a gênero, os indicadores sobre hospitalização e uso de remédios entre mulheres são três vezes maiores que os masculinos, demonstrando, de acordo com Nilson, que elas buscam mais por tratamento e diagnóstico do que eles.
O quadro se reflete na mortalidade, uma vez que os custos com a perda da vida dos homens alcançam R$ 6,6 bilhões, ante os gastos de R$ 2,6 bilhões gerados pela morte prematura das mulheres.
Tributar refrigerantes não é suficiente
Para Marília Albiero, coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde, a reforma tributária em curso é uma oportunidade para estimular políticas públicas em prol de uma alimentação mais saudável no país. Tributações maiores para ultraprocessados (o chamado Imposto Seletivo), bem como zerar as alíquotas de alimentos in natura, são algumas das possibilidades.
“Tributar reduz o consumo dos ultraprocessados, impactando nos gastos do SUS. Também é fonte de financiamento para outras coisas, como combate à fome, melhora das mudanças climáticas, da biodiversidade ou Agenda 2030”, afirma.
O atual texto da reforma, porém, incluiu apenas refrigerantes ao lado de tabaco e álcool para o Imposto Seletivo, o que Albiero atribui à pressão de setores agrícolas e varejistas diante do possível aumento do preço desses itens industrializados.
“O Brasil não precisa e não pode combater a fome com ultraprocessados. Não pode porque vai gerar outros problemas de saúde para a população e econômicos. Não precisa porque tem opções. Por que refrigerante e não um suco regional? Margarina em vez de manteiga? Salsicha em vez de uma carne?”, questiona a coordenadora.
Outros estudos
No Brasil, dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares, conduzida pelo IBGE em 2017-18, sugerem que 19,7% de todas as calorias ingeridas pelo brasileiro são advindas do consumo de alimentos ultraprocessados. Trabalhos mais recentes indicam, por sua vez, que desde então houve aumento na prevalência de consumo de hiperpalatáveis.
O Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), por exemplo, apontou que 25% da energia da dieta de crianças menores de 5 anos tem origem em ultraprocessados.
Nilson destaca que o levantamento divulgado nesta quinta-feira, somado a outros estudos, confirma a urgência da adoção de políticas públicas voltadas à redução do consumo de ultraprocessados. As medidas devem incluir, além de tributação adequada, rotulagem nutricional e regulação da venda e do marketing desses produtos a fim de reduzir a “carga epidemiológica e econômica das doenças associadas” à ingestão desses itens no Brasil.
DANIELLE CASTRO / Folhapress