Entenda qual míssil a Ucrânia acusa a Rússia de ter usado

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A comoção em torno do uso de um míssil balístico intercontinental pela Rússia, conforme acusação da Força Aérea da Ucrânia, é inevitável: esta é uma arma criada para guerras nucleares, com grande capacidade destrutiva.

Assim, se a usou, Vladimir Putin quis mostrar que sua disposição de subir acima na escalada militar contra os aliados ocidentais da Ucrânia é para valer. Mas há diversas dúvidas acerca do que aconteceu no ataque à fábrica militar Iujmach, em Dnipro.

Salvo a vontade de fazer uma ameaça nada velada ao Ocidente, não há sentido militar em usar um ICBM, a sigla inglesa para esse tipo de arma, contra a Ucrânia. Esse mísseis são produzidos para levar uma ou várias ogivas nucleares a distâncias acima dos 5.500 km —alguns modelos chegam a 16 mil km.

Rússia e EUA têm, por tratado ora suspenso, 400 lançadores de ICBMs cada um —Moscou usa silos e mísseis disparados de veículos móveis, enquanto americanos só têm modelos tem silos. Completam a chamada tríade nuclear mísseis e bombas lançadas por aviões e submarinos.

O alvo atingido hoje fica a meros 800 km em parábola de sua base presumida de lançamento. Além disso, por empregar de forma primária armas nucleares, os mísseis são menos precisos do que os modelos usados na Guerra da Ucrânia —como o estrago é maior, não precisam tanta acurácia.

São usualmente armas estratégicas, aquelas que visam mudar o rumo da guerra ao vaporizar cidades inteiras, em oposição às táticas, em tese menos potentes e e de uso mais focado no campo de batalha.

Os ucranianos divulgaram até o modelo que os russos teriam disparado, o RS-26 Rubej (fronteira, em russo). Com alegados 5.800 km de alcance, ele é um primo menor do RS-24 Iars, cujo nome é um acrônimo autoexplicativo: Foguete de Dissuasão Nuclear.

Aqui há um problema: especialistas como o russo Pavel Podvig dizem que o Rubej não chegou a ser produzido em quantidade para entrar em combate. Aí a suspeita recai no emprego de alguma arma semelhante, mas da categoria imediatamente inferior à de um ICBM, o IRBM.

Como a sigla inglesa indica, é míssil de alcance intermediário —no jargão militar, qualquer coisa que destrua alvos de 500 km a 5.500 km. O desenvolvimento dessas armas sempre é cercado de muito mistério, até porque seu emprego na Europa era vetado por um acordo de 1987 que foi abandonado por Donald Trump em 2019.

Se foi um IRBM, o recado de Putin está dado da mesma maneira. Esta também é uma arma concebida para guerras nucleares: os SS-20 soviéticos e o Pershing-2 americanos, desta categoria, são símbolos de um dos momentos mais agudos de crise da Guerra Fria, que quase virou quente em 1983.

Assim como os ICBMs e IRBMs atuais, eles podem também levar ogivas convencionais, apenas não valendo a pena o custo da operação do ponto de vista militar.

Analisando os diversos vídeos do ataque, fica claro que foram despejadas munições múltiplas pelo míssil em questão. O padrão é consistente com aquele registrado em imagens de testes de MIRVs, outra sigla inglesa do jargão nuclear: veículos de reentrada múltiplos direcionados independentemente.

Em português, são pequenas ogivas nucleares carregadas na cabeça do míssil que, quando ele completa sua trajetória fora da atmosfera e começa a cair em direção ao alvo acima de 24 mil km/h, se separam de forma independente, ampliando a área de ataque.

Elas podem ser também convencionais ou cinéticas, que não têm explosivos mas causam um baita estrago devido à velocidade com que atingem o solo. As imagens de Dnipro sugerem que as últimas foram usadas, já que não há grandes explosões em solo.

O canal de Telegram Fighterbomber, ligado às forças aeroespaciais russas, disse que o modelo empregado não foi um RS-26, mas sim “algo novo”, sem especificar.

As diferentes versões sobre o caso também interessam aos dois lados da guerra. Para os russos, é conveniente manter o suspense, deixando o Ocidente com a orelha em pé. Para os ucranianos, acusar o emprego de arma tão simbólica é uma forma de pedir mais apoio em sua resistência.

Seja qual for a verdade, o vaticínio de Podvig no X, de que a situação merece cautela analítica, mas é preocupante, é o que fica por ora.

IGOR GIELOW / Folhapress

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