Em 2024, os cheiros de comida, especialmente sobremesas e frutas, invadiram as prateleiras dos cosméticos. Parcerias entre marcas de beleza e de balas, por exemplo, Carmed e Fini, e O Boticário e Bubbaloo, fizeram sucesso nas redes sociais, especialmente no TikTok, por despertarem memórias afetivas, como comer um doce famoso na infância.
O uso de notas que se assemelham ao cheiro de comida se tornou viral a ponto de O Boticário entrar para o Guinness World Records, em agosto deste ano, com o maior unboxing simultâneo (ato de desembalar um produto) do mundo no lançamento de uma linha de produtos inspirada no cheiro de melancia. Anteriormente, em maio, o estoque de uma edição limitada de um dos produtos da linha esgotou em 57 horas. A expectativa era que durasse 14 dias.
A tendência do uso de fragrâncias que evocam aromas de comida leva o nome de gourmand, em referência à palavra francesa gourmandise, que significa gula. As notas olfativas que compõem essas fragrâncias são chamadas de comestíveis e são inspiradas em alimentos como chocolate, caramelo e doce de leite, explica a professora Patrícia Maria Berardo Gonçalves Maia Campos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP. “Essa tendência abraça o cheiro e até a aparência e textura de alimentos em produtos para os cuidados pessoais. Nesse contexto, ganham espaço as fragrâncias que nos remetem a frutas, sobremesas e até os gummies.”
A professora, que coordena o Núcleo de Estudos Avançados em Tecnologia de Cosméticos (Neatec), conta que o primeiro lançamento dessa família olfativa foi o perfume Angel, da marca Mugler, em 1992. O produto apresentou uma mistura de notas da planta patchouli, do doce de amêndoas chamado praliné, e de frutas vermelhas. “Esses aromas criam uma atmosfera aconchegante e calorosa, muitas vezes despertando memórias de momentos agradáveis ligados à comida. Assim, são composições que criam uma espécie de formigueiro nas papilas gustativas, que ficam ao lado das narinas, confirmando que o sabor é, de fato, uma combinação entre o paladar e o olfato”, afirma Patrícia.
Composição das fragrâncias
A formação das fragrâncias é feita por perfumistas através da combinação de diferentes óleos essenciais e compostos aromáticos. Essa composição é chamada de pirâmide olfativa, forma de classificar as notas olfativas, que compõem uma fragrância e ajuda a entender as fases sensoriais de um cosmético, ou seja, revela quais sensações pretende-se transmitir a partir do momento em que ele é aplicado até que o cheiro suma completamente. “Em geral, utiliza-se uma pirâmide olfativa que classifica as notas em três categorias. Notas de topo ou de cabeça, que são as primeiras percebidas, notas de corpo ou de coração, que são as principais, que representam a identidade do perfume, e notas de fundo, que são a memória da fragrância, aquelas que persistem por mais tempo”, diz a professora.
Antes de serem comercializados, os cosméticos precisam passar por uma análise para garantir que sejam seguros à saúde humana. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os produtos cosméticos não podem apresentar risco à saúde quando utilizados em conformidade com as instruções de uso, demais medidas constantes na embalagem de venda e dentro do prazo de validade. Para garantir isso, a Anvisa realiza uma avaliação de estabilidade, segurança e eficácia. “Antes de serem comercializadas, as fragrâncias passam por avaliações toxicológicas que consideram possíveis reações alérgicas. No entanto, é importante considerar que, apesar de serem raros os casos, os consumidores podem apresentar reações alérgicas a alguns dos componentes de um cosmético, de uma fragrância, por uma suscetibilidade individual”, finaliza Patrícia.
**Por Jornal da USP