SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Grupos de chimpanzés mais conectados com outras populações da espécie também tendem a trocar inovações “tecnológicas” com mais frequência entre si, mais ou menos como acontece entre os seres humanos, indica uma nova análise.
A transmissão mais frequente de informações, quando ocorre, também parece estar relacionada a uma forma rudimentar de avanço cumulativo, levando ao aparecimento de técnicas de obtenção de alimento cada vez mais complexas. Se as conclusões do estudo estiverem corretas, trata-se de um indício de que as transformações culturais ao longo do tempo seguem padrões parecidos independentemente da espécie que as adota.
O trabalho, que saiu na última quinta-feira (21) no periódico especializado Science, estudou 35 comunidades de chimpanzés espalhadas pela África, em três grandes regiões do continente. Liderados por Cassandra Gunasekaram e Andrea Migliano, ambos da Universidade de Zurique, e Andrew Whiten, da Universidade de St. Andrews (Reino Unido), os pesquisadores combinaram dados sobre tradições culturais dos grandes símios com informações sobre seu DNA.
A lógica por trás do cruzamento de dados não é difícil de entender. Por um lado, já se sabe há algumas décadas que os chimpanzés, a exemplo de outros primatas, como os macacos-pregos do Brasil, possuem diferentes tradições culturais dependendo da comunidade à qual pertencem.
“Cultura” aqui se refere a comportamentos que são aprendidos em contextos sociais ao longo da vida, ou seja, não dependem de um suposto instinto de cada bicho. Em muitos casos, eles estão ligados a diferentes estratégias de obtenção de alimento e outras coisas importantes para a sobrevivência.
Tanto chimpanzés quanto macacos-pregos, por exemplo, aprenderam, cada qual à sua maneira, como usar pedras e raízes duras como “martelos” e “bigornas” para quebrar frutos de casca dura, como coquinhos. Também há chimpanzés que utilizam diferentes combinações de galhinhos, às vezes previamente desbastados na ponta, para obter cupins ou outros insetos para o jantar.
O importante é que essas diferentes estratégias variam de lugar para lugar, sem uma relação clara com mudanças sutis de ambiente onde os bichos se encontram. E também precisam ser aprendidas ao longo da vida observando membros “proficientes” do grupo. Tudo isso levou os cientistas a classificá-las como tradições culturais.
A grande questão era saber até que ponto elas podiam se espalhar no caso dos chimpanzés. Em geral, os animais são extremamente xenofóbicos com qualquer membro de outro grupo, e apenas fêmeas jovens costumam deixar seu bando de origem e se transferir para outro. No caso de seres humanos, as trocas pacíficas entre grupos, mesmo na completa ausência de organização política formal, são muito mais comuns.
O que a equipe europeia fez foi enxergar uma correlação entre trocas genéticas entre diferentes populações da África e a maior chance de um compartilhamento de “tecnologias complexas” (comportamentos que envolvem o uso conjunto de duas ou mais ferramentas) entre elas.
A ideia é que provavelmente, no passado, a transferência de fêmeas entre os grupos possa ter espalhado as técnicas de uma região para outra. Um exemplo possível desse fenômeno seria o uso de ferramentas feitas com galho para cutucar ninhos subterrâneos de abelhas, em busca de mel. Esse hábito poderia ter migrado do leste da África para o oeste, rumo aos atuais territórios da Nigéria e de Camarões.
Mais interessante ainda, ele pode ter ficado mais complexo ao longo do tempo, com diferentes galhinhos especializados para cavar e abrir a colmeia e um uso secundário da mesma habilidade para capturar cupins.
Em resumo, pode ser que as peças básicas do processo de transmissão e incremento de inovações tecnológicas já estivesse presente no ancestral comum de seres humanos e chimpanzés. O que os ancestrais diretos do Homo sapiens fizeram foi adotar estruturas sociais mais tolerantes entre os grupos, o que facilitou a passagem de ideias entre eles.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress