Yamandú Orsi deve levar nova geração da esquerda ao poder no Uruguai

MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – Todas as eleições às quais concorreu ele venceu, diz um aliado próximo de Yamandú Orsi, 57, como se a apertada vitória nas eleições para presidente do Uruguai, de acordo com as projeções, fosse a mera ordem natural das coisas. Orsi era conhecido, mas nunca havia tido tamanha projeção.

O homem que em março do próximo ano assumirá a Presidência em um contexto simbólico importante no país -os 40 anos de retorno da democracia- foi por duas gestões consecutivas (2015-2020 e 2020-2024) governador do departamento de Canelones, que com 520 mil habitantes (15% da população nacional) circunda Montevidéu no mapa.

Formado professor de história, ele cresceu trabalhando com o pai em um armazém da região e também ali começou a militar na Frente Ampla, o agrupamento de forças de esquerda e centro-esquerda fundado em 1971, quando Orsi ainda era criança. Não ter nascido na capital Montevidéu tem sido um dos motes de sua campanha.

Desde a redemocratização, nenhum outro presidente do Uruguai era de outra região que não Montevidéu. De Julio María Sanguinetti, 88, o primeiro eleito nas urnas, passando por José “Pepe” Mujica, 89, que é padrinho político de Orsi, até o atual presidente, Luis Lacalle Pou, 51, todos haviam nascido no centro do poder. Orsi fugiu à lógica

No prólogo que fez em um livro sobre outro de seus “professores”, como chama o ex-governador de Canelones Marcos Carámbula, ele escreve sobre o objetivo compartilhado de “promover e alimentar narrativas para além das fronteiras montevideanas”.

E faz autocrítica inclusive para a Frente Ampla: “Os frente-amplistas começaram a processar um novo relato do qual faz parte entender que não há apenas um interior, mas muitos e bem distintos”.

Foi um argumento muito usado em sua campanha para apontar que Orsi seria uma peça-chave para fortalecer a articulação entre o Uruguai rural e o urbano -a ver o que ele fará nos próximos cinco anos.

Com Orsi a esquerda voltará ao poder após uma janela de cinco anos ocupada por Lacalle Pou, quem interrompeu 15 anos consecutivos da Frente na Presidência ao ser eleito em 2019.

O futuro presidente pertence à mesma força política de Mujica, o MPP (Movimento de Participação Popular), que, fundado em 1989, marcou a entrada dos ex-guerrilheiros tupamaros na política institucional.

Orsi é uma renovação de antigos quadros nacionalmente conhecidos, como Tabaré Vázquez, morto em 2020, e Pepe Mujica, a velha guarda da esquerda uruguaia. Chama Pepe de uma espécie de professor, mas a bem da verdade é muito diferente do “maestro”.

Conhecido por seus discursos com quê filosófico, Pepe Mujica sempre aderiu à arte do improviso. Na última eleição municipal no Brasil, em outubro, enviou vídeos de apoio a vários candidatos da esquerda. Gravava-os assim: um assessor colocava à sua frente um papel com o nome do(a) candidato e pronto, Mujica começava a falar para a câmera do celular como se conhecesse aquela pessoa de longa data.

Bem distante da espontaneidade, Orsi chegou a reservar um dia no primeiro turno da campanha, derrubando agendas, para preparar o discurso que faria no momento do resultado. As palavras pareciam milimetricamente calculadas.

Na noite do domingo que antecedeu o segundo turno, quando ele participou de um debate televisionado com o adversário Álvaro Delgado (Partido Nacional), não fugiu do script previamente acordado para eixos temáticos. Delgado fez várias perguntas para que Orsi respondesse, mas ele não respondeu a nenhuma.

Durante os próximos cinco anos, uma centro-esquerda renovada, mas ainda altamente influenciada pela velha guarda, governará o Uruguai. E Orsi terá inevitavelmente que sair do roteiro para lidar com desafios domésticos mas também os internacionais –este último um tema no qual até aqui demonstrou pouco traquejo político.

A alternância no poder desde a redemocratização no Uruguai

Presidente Período Partido

Julio María Sanguinetti 1985-1990 Colorado

Luis Alberto Lacalle 1990-1995 Nacional

Julio María Sanguinetti 1995-2000 Colorado

Jorge Batlle 2000-2005 Colorado

Tabaré Vázquez 2005-2010 Frente Ampla

José “Pepe” Mujica 2010-2015 Frente Ampla

Tabaré Vázquez 2015-2020 Frente Ampla

Luis Lacalle Pou 2020-2025 Nacional

Partidos Nacional e Colorado: centro-direita

Frente Ampla: coalizão de esquerda e centro-esquerda

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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