MONTEVIDÉU, URUGUAI (FOLHAPRESS) – Em uma noite de ansiedade entre os uruguaios, com um cenário eleitoral pouco previsível, pesquisas de boca de urna apontam Yamandú Orsi (Frente Ampla) como provável vencedor do segundo turno neste domingo (24) e futuro presidente do Uruguai.
O presidente Luis Lacalle Pou, da centro-direita, já reconheceu a vitória de Orsi. No X, disse que ligou para o frente-amplista para começar a transição e o chamou de presidente eleito. O candidato governista, Álvaro Delgado (Partido Nacional), também reconheceu derrota.
Segundo levantamento da consultoria Equipos, Orsi tem 49,6%, e Delgado marca 46,1%. A margem de erro é de um ponto percentual.
Segundos após a primeira boca de urna, os arredores do hotel que reunia a campanha da Frente Ampla em Montevidéu entraram em êxtase. Às margens da “rambla” da capital, apoiadores hasteavam bandeiras do Uruguai e da coalizão fundada em 1971 e cantavam.
Orsi e sua vice, Carolina Cosse, discursaram para a multidão e, em comum, prometeram governar para todos, não apenas para os que os apoiaram neste domingo. “Ganhou, outra vez, o país da liberdade e da igualdade”, disse o candidato.
A apoiadores frustrados Álvaro Delgado, braço direito de Lacalle Pou, disse que “é preciso respeitar a decisão soberana”. Seguiu: “Hoje Yamandú tem a possibilidade de buscar acordos nacionais.” Delgado havia proposto no decorrer da campanha que, se eleito, eventualmente poderia chamar a esquerda a compor o governo com a sua Coalizão Republicana.
Confirmado o resultado pela Corte Eleitoral, o país verá o retorno da esquerda ao poder em março do próximo ano, data da posse, após um hiato de cinco anos de gestão da centro-direita com Lacalle Pou, hoje com aprovação de metade da população. O pleito foi acirrado.
A última rodada de pesquisas de intenção de voto apontava em uníssono um empate técnico, com Orsi numericamente à frente. Álvaro Delgado dizia se fiar a uma “maioria silenciosa”, que podia não dizer, mas votaria nele. Os levantamentos apontavam que havia mais de 5% de indecisos.
Orsi herdará um país dividido, mesmo que nesta parte da América do Sul a polarização ainda não seja um fator de ruptura social. Seu governo teria maioria estreita no Senado, mas não na Câmara, onde nenhuma força obteve a maior parte das vagas.
Também chegaria ao poder após uma campanha apática, de ambos os lados, que não despertou grandes comoções de nenhuma parte, como se qualquer eventual mudança não fosse ser significativa. O próprio Orsi chegou a dizer que nada “seria radical”.
Com 57 anos, aquele que é tido como o mais novo pupilo de José “Pepe” Mujica foi governador do departamento de Canelones e professor de história. Foi o chefe da campanha de Daniel Martínez, o candidato que em 2019 disputou a Presidência pela Frente, mas perdeu.
Orsi teria de lidar com desafios para os quais a centro-direita buscou lhe imprimir a pecha de incapaz: a estabilidade econômica e o combate ao narcotráfico.
Seu antecessor no cargo deu largada junto com a pandemia de Covid, um dificultador social e econômico. Aos efeitos da crise sanitária, somou-se a pior seca em pelo menos 70 anos no país. A dupla puxou a economia para baixo: o crescimento foi de apenas 0,4% em 2023.
Mas a agenda econômica de Lacalle foi vista como exitosa. Os últimos dados, de outubro, mostram que a inflação interanual está em torno de 5%, semelhante à do vizinho Brasil e bem distante da vizinha Argentina (193%). O Banco Mundial projeta crescimento de 3,2% para este ano.
Em seu programa de governo a Frente Ampla se concentrou em propostas de ampliação das políticas ambientais, de promoção e apoio a pequenos produtores e a políticas de inclusão social, pelas quais os governos da coalizão ficaram conhecidos de 2005 a 2020.
A segurança pública é hoje a principal preocupação dos uruguaios, e nessa seara nem esquerda nem direita foram bem avaliadas. A taxa de homicídios começou a crescer nos governos da Frente Ampla, chegando a 11,2 homicídios por 100 mil habitantes em 2019, quando cinco anos antes era de 7,8. Lacalle Pou, ao menos até aqui, entregou uma redução comedida do índice, para 10,7 por 100 mil em 2023.
Em um país no qual, a despeito do veto presidencial, o chefe de Estado não tem dados poderes para governar a canetadas (não há mecanismos como as medidas provisórias brasileiras, por exemplo), Orsi teria de colocar em prática uma boa estratégia no Congresso.
Suas possibilidades até aqui seriam duas: atrair eventual apoio do Cabildo Aberto, um partido de recorte militar e securitário que integra a conservadora Coalizão Republicana mas outrora já votou com a Frente, ou surpreendentemente convencer o novato e nanico Identidade Soberana, um partido antissistema, a dar seus dois votos na Câmara para a Frente. Seja como for, não será uma tarefa muito fácil.
Yamandú Orsi e seu opositor, Álvaro Delgado, eram vistos como candidatos de pouco carisma. A despeito de poucas críticas mais duras aqui e acolá, o que mais chamou a atenção foi um escândalo político de março passado, envolvendo o agora eleito.
Na ocasião, uma conhecida militante do Partido Nacional, Romina Papasso, acusou Orsi de ter agredido uma prostituta em 2014. A então suposta vítima, Paula Díaz, formalizou uma denúncia.
Orsi negou, e, Papasso e Díaz foram processadas após confessarem que tudo era mentira. A primeira foi condenada a dois anos de prisão; a segunda, a 1 ano e 8 meses de liberdade condicional.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress