Apesar de ser apresentado como alternativa interessante à mudança no sistema tributário brasileiro, pela hipótese de reduzir desigualdades através de tributos aplicados aos muito ricos, o imposto sobre grandes fortunas (IGF) pode não ser a maneira mais eficiente de taxar a capacidade econômica. É o que sugere a pesquisa do acadêmico Celso Olindo Júnior da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP.
Atualmente, segundo o pesquisador, existem 45 projetos de lei complementar no Congresso Nacional que visam a implementar o IGF, mas ainda aguardam apreciação pelas duas Casas Legislativas. Esses projetos podem ser divididos em três categorias: arquivados, prontos para pauta e em tramitação conjunta. Um desses projetos foi rejeitado pelo plenário da Câmara dos Deputados recentemente.
O estudo sobre a viabilidade e eficiência da implementação desse tributo no Brasil, realizado por Olindo Júnior em sua iniciação científica sob orientação do especialista em Direito Econômico e Financeiro Alexandre Naoki Nishioka, mostra que o IGF não é a forma mais adequada para reduzir o atual tipo de tributação do País, que possui um sistema tributário regressivo, com a maior parte da receita do Estado vinda de impostos sobre o consumo. A forma desejável, informa o acadêmico, seria o sistema progressivo, com a receita sendo originada pelos tributos cobrados sobre renda e propriedade.
Segundo dados da Receita Federal, a arrecadação com tributação no Brasil se concentra no consumo, representando 51% de toda a carga tributária, média muito maior, no mesmo segmento, que a dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 33,6%.
Para a desejada redução das desigualdades e promoção de justiça tributária, os resultados da pesquisa indicam duas alternativas mais eficientes que o IGF: o aumento da progressividade das alíquotas do imposto de renda e o fim da isenção tributária de rendimentos vindos de lucros e dividendos, isto é, a remuneração recebida por sócios de investimento de capital em uma empresa. O acadêmico enfatiza que essas alternativas são mais viáveis pois, quando comparadas com as de outros países, as alíquotas do imposto de renda brasileiras são baixas (atingindo poucas faixas de rendimento), além do fato de o Brasil ser um dos únicos que não taxam rendimentos vindos de lucros e dividendos.
Reforma nas alíquotas do imposto de renda
Pelos resultados de seu estudo, Olindo Júnior acredita que uma reforma no imposto de renda aplicado atualmente está mais alinhado aos objetivos de igualdade do que a implementação do IGF. Hoje, o imposto de renda determina que os rendimentos mensais de até R$ 2.259,20 são isentos de tributação; a faixa que vai de R$ 2.259,21 a R$ 2.826,65 paga alíquota de 7,5%; de R$ 2.826,66 até R$ 3.751,05, de 22,5%, e aqueles com renda superior a R$ 4.664,68 pagam 27,5%. Assim, continua o pesquisador, a progressividade desse imposto se aplica até 3,3 salários mínimos, o que significa que quem ganha R$ 200 mil mensais paga a mesma porcentagem tributária de quem possui uma renda mensal de R$ 4.700, uma alíquota de 27,5%.
Para corrigir essa distorção, segundo Olindo Júnior, é mais indicada uma reforma na progressividade das alíquotas do imposto de renda brasileiras como medida mais eficiente que a criação do IGF. Como argumentos, o pesquisador fala da experiência pioneira do IGF na França, que implantou o tributo sobre as grandes fortunas em 1982 e o extinguiu em 2017 pela fuga de capitais gerada e pelo baixo impacto no PIB (produto interno bruto). O mesmo problema é verificado na Espanha, Noruega e Suíça, os únicos países europeus que mantêm a cobrança do IGF, e também na América Latina.
Quanto à indicação da reforma ao sistema brasileiro de arrecadação de impostos, Olindo Junior lembra que o tributo já é aplicado pela Receita Federal que possui estrutura implementada para fiscalização. Ainda comparando com outros países, Olindo Junior informa que o País tem espaço para esta reforma já que em sistemas tributários de países como Japão, Finlândia e Dinamarca o imposto sobre a renda pode ultrapassar os 50%, sendo fortes modelos de progressividade.
Lucros e dividendos precisam ser tributados
Conforme o 2° inciso do artigo 153 da Constituição Federal, a cobrança do Imposto de Renda deve seguir os princípios de universalidade, generalidade e progressividade. O acadêmico explica: “A universalidade impõe que o imposto deve ser aplicado a qualquer espécie de renda; a generalidade, que todas as pessoas físicas e jurídicas estão sujeitas ao imposto, e a progressividade determina que as alíquotas devem progredir de acordo com a capacidade contributiva”. Olindo Junior informa também que, pela Lei n° 9.249, de 1995, lucros e dividendos são isentos de impostos, o que, na interpretação do acadêmico, “desrespeita os princípios de generalidade e universalidade estabelecidos pelo imposto de renda”.
Nesse contexto, o estudo da FDRP sugere a extinção ou, ao menos, o estabelecimento de um limite máximo de isenção aos lucros e dividendos, assim como é feito no imposto de renda, se apresentando como outra alternativa ao imposto sobre grandes fortunas já que, dessa maneira, “seriam respeitados os critérios universalidade, generalidade e progressividade”, afirma o pesquisador.
Essa medida, de acabar com a isenção sobre os lucros e dividendos, não geraria fuga de capital como o IGF, uma vez que o Brasil é um dos únicos países que não cobram esses tributos. “Normalmente, a fuga de capitais ocorre quando um país cobra um tributo e outro não, sendo vantajosa economicamente a realocação dos recursos; mas, como esse tributo é cobrado pela maioria dos países, a fuga de capitais não pode ser presumida facilmente”, garante.
Projeto para o IGF foi rejeitado
No último dia 30 de outubro, a Câmara dos Deputados rejeitou, por 262 votos a 136, uma proposta para implementar o imposto sobre grandes fortunas no País. A proposta definia taxar fortunas acima de R$ 10 milhões, seguindo uma alíquota de 0,5% para fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões, 1% dos bens entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões e 1,5% das fortunas acima de R$ 80 milhões. Segundo o autor da emenda, Ivan Valente, deputado do PSOL-SP, a arrecadação poderia aumentar em até R$ 70 milhões.
Para Olindo Junior, essa rejeição da taxação de grandes fortunas pode ser vista de duas maneiras: “Busca dos parlamentares por uma solução mais eficaz, tendo em vista as particularidades e dificuldades da aplicação do imposto, ou que os deputados não desejam a regulamentação do tributo no momento, seja por questões econômicas, sociais ou fiscais. De qualquer maneira, o projeto de lei será analisado pelo Senado Federal”.
**Por Jornal da USP