SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Até o final de setembro, o grupo Carrefour, líder do varejo alimentar no Brasil, havia bloqueado 11 frigoríficos brasileiros por não conformidade com a “política de compra responsável de carne bovina” do grupo.
A política envolve controles sobre “desmatamento/conversão de vegetação nativa, condições de trabalho análogas à escrava ou infantil, embargos ambientais, invasões de terras indígenas, quilombolas ou áreas de conservação.”
A empresa contava, até então, com 18 fornecedores de carne bovina para o grupo, numa lista que incluía JBS, Masterboi, Marfrig e Minerva -os dois primeiros, JBS e Masterboi, decidiram boicotar o Carrefour depois da decisão da matriz de não comprar carnes oriundas do Mercosul para as suas lojas na França.
O Carrefour não informa quais foram os frigoríficos bloqueados. As informações constam no relatório financeiro do terceiro trimestre de 2024, que traz um link para a “Plataforma de Transparência Carne” da empresa.
“Desde 2018, temos em prática um controle socioambiental para compras de carne bovina, com monitoramento via satélite e alertas em tempo real no bioma amazônico. No terceiro trimestre de 2024, expandimos esse monitoramento para todos os biomas brasileiros, incorporando cerrado, pampa, floresta amazônica e caatinga. O Grupo Carrefour Brasil é o único varejista alimentar com monitoramento por todo o Brasil e compromisso com desmatamento zero para todos os biomas brasileiros”, afirmou.
De acordo com a rede, ao final do terceiro trimestre, 100% dos fornecedores de carne bovina estavam em conformidade com a política do grupo, o que envolveu o monitoramento de cada lote encaminhado para checagem do Carrefour. “No trimestre, analisamos 22.615.555 hectares em 28.451 fazendas. Encerramos o trimestre com 18 frigoríficos fornecedores ativos e 11 bloqueados pelo não cumprimento do critério para compras do Grupo”, disse a empresa.
Questionada sobre os frigoríficos bloqueados, a empresa não respondeu a reportagem até o fechamento deste texto.
Em nota, informou apenas que “lamenta profundamente a atual situação e reafirma a estima e confiança no setor agropecuário brasileiro”, com o qual sempre manteve uma “relação sólida e de parceria” e diz estar em “diálogo constante na busca de soluções” que “viabilizem a retomada do abastecimento de carne nas nossas lojas o mais rápido possível.”
No relatório do terceiro trimestre, a companhia afirmou adotar um “protocolo rigoroso e obrigatório para fornecedores de carne bovina”, que estabelece processos de homologação e de permanência do fornecedor, não só para identificar a origem do fornecimento direto do frigorífico, “mas também assegurar o cumprimento de critérios socioambientais durante a produção de alimentos in natura de carne resfriada ou congelada proveniente da produção brasileira.”
“Nossos fornecedores se comprometem a realizar a análise de geomonitoramento (checagem de conformidade por meio de imagens via satélite) de suas fazendas de fornecimento direto e, paralelamente, devem informar a origem da compra a partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR) ao Grupo Carrefour Brasil, para que seja realizada uma dupla checagem de conformidade”, diz o grupo.
BRASIL É A MAIOR FILIAL DO GRUPO NO MUNDO
O Carrefour Brasil é a segunda maior operação do grupo francês no mundo, só perdendo para a França. O grupo já vinha desde a pandemia investindo na compra de produtos locais e regionais para abastecer as lojas, fortalecendo itens de marca própria. Em entrevista à Folha de S.Paulo em agosto de 2021, o então presidente da companhia no Brasil, Noël Prioux, disse que 30% da venda de alimentos vinham de produtores locais e este número iria crescer.
“Percebemos que ter produtores próximos das lojas é bom para todo mundo: o cliente recebe produtos mais frescos, gastamos menos com transporte, poluímos menos, geramos empregos na região”, afirmou à época.
“O discurso da valorização dos produtores locais já estava pronto, era só ajustá-lo à França”, diz o consultor Eugênio Foganholo, da Mixxer. “Mas o que o CEO do Carrefour fez foi soltar uma declaração desastrosa, que pode comprometer o abastecimento local, se mais frigoríficos aderirem ao boicote à rede no Brasil”, diz ele, referindo-se a Alexandre Bompard.
Os perecíveis -categoria onde entram frutas, legumes, verduras, frios, refrigerados e carnes- representam, em geral, um terço das vendas do varejo alimentar, segundo fontes do setor. “Mas no Brasil o maior faturamento do grupo Carrefour vem do Atacadão, responsável por cerca de 70%. Em um atacarejo, as vendas de carnes não são tão representativas quanto em um supermercado”, diz o consultor Alberto Serrentino, sócio da Varese Retail.
Serrentino concorda que ter uma estratégia de compras locais é algo que o varejo alimentar vem se dedicando no mundo inteiro, inclusive no Brasil, o que favorece o discurso do Carrefour de diminuir o impacto ambiental das suas operações. “Essa prática é legítima e vem acontecendo”, diz.
“Mas o que a empresa não pode é discriminar um produto do Mercosul, em especial do Brasil, a maior filial do grupo no mundo. Barrar o produto brasileiro na França é algo que extrapola a agenda empresarial e se torna uma uma agenda política.”
DANIELE MADUREIRA / Folhapress