RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O professor de geografia Darlan Galvão, da rede municipal de Jaboatão dos Guararapes (PE), inspirou-se na própria trajetória de aceitação de sua cor ao criar um projeto para elevar a autoestima de alunos pretos e pardos: fotografá-los em homenagem a referências negras, como o ativista americano Malcolm X e a escritora Conceição Evaristo.
Darlan, 36, passou a infância e a adolescência com dificuldade para se entender como um homem preto. Ele viu esse mesmo desafio entre seus alunos, que ainda se autodeclaravam como “morenos” ou “marrons”, por não conseguirem se ver como negros. Somado a isso, episódios de bullying minavam ainda mais a autoestima desses estudantes.
“Percebi que muitas vezes a imagem negra vista na TV ou nos jornais dificultava para eles se enxergarem em certas posições”, afirma o professor.
“Quando resgatamos nomes importantes e os alunos se colocam no lugar daquelas pessoas, passam a refletir sobre a questão da autoestima e a se enxergarem como mais bonitos e fortes.”
Entre as personalidades representadas, há desde artistas de Pernambuco, como o poeta recifense Miró da Muribeca, até ícones estrangeiros, como a escritora e ativista bell hooks.
A iniciativa tomou forma com apoio da própria comunidade da escola Professor Roberto Inácio. Os docentes reuniram roupas e adereços a serem usados na produção, enquanto os alunos ajudaram uns aos outros a se maquiar para as fotos.
Darlan contou ainda com o apoio de um estúdio e dois profissionais de fotografia, que fizeram as imagens gratuitamente.
No início, a baixa autoestima foi impeditivo para que parte dos estudantes participasse da iniciativa. Para contornar isso, o professor deu aos alunos a tarefa de pesquisar sobre as personalidades, para que ficassem empolgados com as figuras que representariam.
“A proposta era que eles não se exibissem, mas fizessem as personagens. Com essa ideia, eles se sentiam mais seguros de fazer parte e tiveram até orgulho de representar aquela pessoa”, diz.
“Depois do estúdio, quando cheguei em casa, vi várias mensagens dos alunos agradecendo pela experiência.”
As imagens foram exibidas em uma exposição na escola na última sexta-feira (22), e os estudantes fotografados discursaram sobre as figuras que interpretaram. A ideia de Darlan é expandir a amostra para outros locais. Depois, os alunos vão ficar com as imagens.
O trabalho com a identificação racial sempre fez parte da rotina em sala de aula do professor, já que, como docente de geografia, ele ensina a respeito de autodeclaração. Foi daí que ele percebeu a dificuldade de alguns estudantes para identificar a própria cor.
Hoje, Darlan incorpora elementos da cultura africana e afro-brasileira no ensino. Para alunos mais novos, por exemplo, ele usa as abayomi, bonecas negras feitas de pano, sem costura ou cola. Em outras turmas, o professor ensina sobre os adinkras, símbolos de povos da África Ocidental.
Aluno de escola e universidade públicas, Darlan sempre atuou com estudantes das redes municipal, estadual e federal. Desde o início da carreira, na docência, a pauta antirracista fez parte de seu conteúdo programático.
Uma das experiências que o incentivou a adotar essa abordagem foi sua própria adolescência, quando foi vítima de racismo na escola, em uma época em que o tema era bem menos discutido. Ele rebateu uma ofensa dita por outro aluno, mas foi penalizado por isso.
“Eu tinha reações ao racismo, mas não tinha noção do que estava acontecendo”, declara. “Minha percepção enquanto pessoa negra veio como jovem adulto, quando entrei na universidade e passei a resgatar minha identidade.”
Para ele, cada vez mais, docentes têm ensinado sobre antirracismo, o que já é um avanço se comparado ao período que frequentou a escola.
“Infelizmente, ainda há professores com maior resistência, inclusive para se aprofundar no tema, então a discussão sai pela tangente. Mas aqui na escola onde trabalho, muitos trazem essa discussão ao longo do ano, não só em novembro.”
LUANY GALDEANO / Folhapress