RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O arquiteto franco-suíço Le Corbusier veio ao Brasil em 1936 para dar opinião. O governo de Getúlio Vargas queria construir no Rio de Janeiro, então capital federal, uma Cidade Universitária e um prédio para o Ministério da Saúde e Educação.
Gustavo Capanema, então ministro, lançou um concurso de arquitetura, mas não gostou do resultado vencedor.
Celebrado pelo conceito da nova arquitetura, Le Corbusier foi chamado e recomendou que o prédio fosse de frente para o mar da baía de Guanabara, mas burocracias sobre o terreno impediram.
O arquiteto, a contragosto, esboçou outro projeto com o prédio no meio do centro da cidade, numa esplanada onde existiu o morro do Castelo, demolido na década de 1920.
Sua consultoria não foi seguida por completo, mas o que saiu do esboço, o Palácio Gustavo Capanema, tornou-se um marco da arquitetura e do modernismo no Brasil.
O edifício foi projetado sob elementos da nova arquitetura, com janelas em fita, jardins e pilotis liberando o solo para que o térreo fosse uma praça pública de livre circulação.
A praça está há anos coberta por tapumes e acesso proibido, mas perto de ser reaberta. O prédio, em reforma, está com 95% das obras concluídas, segundo o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Até o final de dezembro a obra deve ser entregue.
A partir deste mês o prédio já está liberado para as primeiras mudanças administrativas. A Funarte (Fundação Nacional de Artes) será a primeira a reocupar parte do edifício de 16 pavimentos. Seções da Biblioteca Nacional e do Iphan também devem se mudar para o prédio.
O edifício, construído a partir de 1937 e inaugurado em 1945, é também fruto da reunião de figuras fundamentais do Brasil moderno. O time convidado para o projeto era liderado pelo arquiteto Lúcio Costa e tinha Carlos Leão, Affonso Reidy, Jorge Machado Moreira, Ernani Mendes de Vasconcellos e o então recém-formado Oscar Niemeyer, que se ofereceu para participar.
O ministro Gustavo Capanema ouvia conselhos de seu chefe de gabinete, Carlos Drummond de Andrade, poeta moderno como os arquitetos.
O prédio foi inaugurado com terraços-jardins de Burle Marx, pinturas de Alberto Guignard e José Pancetti e esculturas de Adriana Janacópulos. Os azulejos de Cândido Portinari, na fachada e rés-do-chão, chamam a atenção do lado externo.
“As propostas de Le Corbusier são bastante diferentes daquilo que é desenvolvido pela equipe. Pensar a consultoria como qualquer forma de tutela é incorreto. O Palácio que conhecemos, além de sua originalidade arquitetônica, incorpora contribuições de artistas que ultrapassam qualquer coisa que ele tivesse proposto”, afirma Mário Magalhães, professor da Escola Superior de Desenho Industrial da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Magalhães vê paralelos entre o prédio na velha capital e o projeto de Brasília.
“Aquilo que o Ministério oferece no contexto de uma quadra, a liberando como uma praça, o plano de Brasília generaliza, como uma ‘cidade-parque’.”
A rotina de obras no Capanema começou em 2013, quando o prédio fechou parcialmente para visitação. Desde então, elevadores, janelas, jardins e colunas foram substituídos. Vidros quebrados pelo vento e depredações foram recolocados. O prédio, há anos com entrada fechada por tapumes, escondeu-se da população.
Em 2021, o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a colocar o prédio na lista de imóveis a serem vendidos em um feirão à iniciativa privada. A Justiça Federal impediu a venda.
Antes, em 2016, o edifício foi ocupado durante 70 dias por manifestantes contrários ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e ao fim Ministério da Cultura no governo Michel Temer (MDB).
O movimento Ocupa MinC fez vigília no prédio e recebeu apoio da classe artística, que organizou apresentações. Arnaldo Antunes, Erasmo Carlos, Caetano Veloso e Otto foram ao local.
Atualmente, o Palácio Capanema tem, além dos tapumes, andaimes e marcações de pintura na fachada. Uma placa de aviso da obra previa a conclusão em outubro de 2023.
“Quando chegamos ao Iphan a obra estava quase que paralisada, andando muito devagar”, afirma o atual presidente do órgão, Leandro Grass. Segundo ele, o prédio vai manter suas características originais.
Em novembro, a área de orçamento e planejamento do Iphan elaborou nota técnica sobre “dificuldades enfrentadas pela autarquia” em 2024 “diante das forças restrições financeiras e dos atrasos recorrentes na liberação dos recursos por parte do Ministério da Cultura”.
A nota menciona o Palácio Capanema.
Procurado, o Ministério da Cultura afirmou, em nota, que “os recursos destinados à reforma do edifício Gustavo Capanema já estão completamente empenhados e segue seu fluxo financeiro dentro da normalidade”.
“Concluindo essa obra a gente vai poder devolver o Capanema à população, transformá-lo num espaço não só administrativo, com a presença do Ministério, das suas autarquias, secretarias, mas também um espaço de ocupação cultural, de exposição, de atividades permanentes”, diz o presidente do Iphan.
YURI EIRAS / Folhapress