SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mais de 70 indígenas da etnia kayapó acampam, desde segunda-feira (26), na sede da concessionária Norte Energia, em Altamira, no interior do Pará. A empresa é responsável pelas operações da usina hidrelétrica de Belo Monte desde a privatização da Eletrobras em junho de 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Formado por kayapós que integram as organizações indígenas Instituto Kabu e da Associação Floresta Protegida, o grupo cobra a renovação das condicionantes que obrigam a Eletrobras e a Norte Energia a financiarem projetos em terras indígenas, como compensação pelos impactos ambientais causados pela hidrelétrica.
O termo de cooperação oferecia, inicialmente, o valor de R$ 12,5 milhões, mas passou para R$ 15 milhões no último contrato de cinco anos (2018-2023). O montante financiava missões de coletas de castanha e de cumaru em aéreas de difícil acesso na floresta, que exigiam deslocamento de equipes com altos custos de manutenção.
O valor era também investido em parte do monitoramento nos territórios contra práticas ilegais, como garimpo, extração de madeira, pesca e caça predatória o que é exigido como condicionante para atuação da hidrelétrica.
Para sua plenitude, o serviço de preservação ambiental feito pelos indígenas recebe ainda verbas de outros projetos e doações de ONGs.
Segundo as entidades kayapós, as negociações com a Eletrobras desandaram após sua privatização. O novo contrato deveria ter sido fechado em outubro de 2023, o que seria o primeiro acordo com a participação da Norte Energia.
A concessionária, que possui faturamento bilionário, não teria aceitado a proposta do novo plano de trabalho dos kayapós no valor de R$ 19 milhões a serem usados nos próximos cinco anos.
De acordo com os indígenas, o reajuste é devido pelo aumento nas demandas, principalmente no monitoramento diante da escalada da ameaça de invasores, como também para compensar o crescimento gradual dos impactos causados pela Belo Monte ao longo dos anos.
Após o fim do último contrato, a Norte Energia fechou um aditivo no mesmo valor, que venceu em fevereiro deste ano. Desde então, segundo o relato dos indígenas, não houve mais acordo.
Em nota, a Eletrobras informou que participa das negociações com as lideranças indígenas e autoridades, “conduzidas neste momento pela Norte Energia”, em busca de consenso para apoio aos povos da região. Contudo, não deu detalhes.
A Norte Energia disse à Folha de S.Paulo que não vai se manifestar sobre o conflito.
A Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que compõe o grupo de negociação do termo, não respondeu à reportagem.
No acampamento, o presidente do Instituto Kabu, Doto Takak Ire, afirma que a mobilização não deve terminar até uma renegociação com um acordo de cooperação satisfatório. A entidade representa 16 aldeias kayapós e duas do povo panará, que também vivem na região abrangida por Belo Monte.
“Nós viemos aqui reivindicar o nosso direito de uma pactuação acordada há mais de dez anos”, diz o líder kayapó.
Em meio a ocupação em protesto, duas reuniões foram realizadas com a participação de lideranças do Kabu e da Floresta Protegida, Funai, Eletrobas, Norte Energia, MPF (Ministério Público Federal) e MPI (Ministério dos Povos Indígenas). Uma na terça-feira (26) e outra na quarta (27).
Melillo Dinis, advogado do Instituto Kabu e membro da Comissão Especial de Direitos dos Povos Indígenas do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), relata que em ambas as reuniões nada foi acordado.
“De forma sistêmica e sistemática, a Eletrobras tem violado o direito dos kayapós com uma série de obstáculos para cumprir a sua obrigação pactuada com relação ao componente indígena do plano básico ambiental, que deriva da construção da usina de Belo Monte e de todo o impacto que lá existe”, diz o advogado.
Na visão de Dinis, os povos indígenas “estão sendo tratados como uma bola de tênis”. “Cada empresa joga para um outro e ambas não assumem as suas responsabilidades”, afirma. Ele cobra mais posicionamento da Eletrobras diante da crise.
“É desrespeitoso, é preconceituoso e, acima de tudo, é uma violação da lei e das obrigações da Eletrobras e, consequentemente, da Norte Energia”, avalia.
JORGE ABREU / Folhapress