Governo altera posição em julgamento no STF sobre redes e defende derrubada de regra do Marco Civil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) mudou sua posição no julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) envolvendo a responsabilidade de redes sociais sobre conteúdo de terceiros.

Como tema central da discussão, está o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que diz que as redes só estão sujeitas a pagar indenização por algo postado por terceiro se, após uma decisão judicial ordenando a retirada, mantiverem o conteúdo no ar.

Em sustentação oral, nesta quinta-feira (28), o advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu a inconstitucionalidade da regra, o que a derrubaria.

Em manifestação protocolada no processo, a União havia se posicionado antes por um caminho intermediário, que no jargão jurídico é conhecido como “interpretação conforme a Constituição”.

O Marco Civil da Internet foi aprovado em 2014, na gestão de Dilma Roussef (PT), depois de anos de discussão, marcada por participação pública.

De modo adicional, Messias defendeu que, caso a corte não acatasse a posição de declarar a inconstitucionalidade, fossem adotadas as balizas apontadas no memorial protocolado, que se aproximaria de uma regulação das redes, com uma série de novas regras, e que na prática também seria uma transformação profunda do regime atual.

A posição protocolada oficialmente no processo antes tinha sido debatida no governo, e a mudança pegou de surpresa integrantes de outras pastas.

Segundo a assessoria da AGU, houve uma “evolução da posição” do órgão a respeito do tema durante o julgamento, que começou na quarta-feira (27).

“Seria muito bom se nós conseguíssemos conferir uma interpretação conforme [à Constituição] ao artigo 19”, disse Messias nesta quinta.

“Mas, ouvindo aqui diversos representantes que me antecederam, inclusive de plataformas, que me alertaram corretamente para risco de judicialização e de litigância predatória, quero crer que o regime inaugurado pelo artigo 19 não deve ser mantido à luz da nossa Constituição”, completou.

Enquanto uma decisão afirmando que o artigo 19 é constitucional manteria o cenário como está, a declaração de sua inconstitucionalidade o derrubaria, levando o Brasil ao cenário pré-2014, quando não havia regra específica sobre como o Judiciário deveria tratar este tipo de situação.

A regra em vigor teria como intuito proteger a liberdade de expressão e evitar a censura, na medida que não incentivaria as empresas a removerem conteúdos por receio de serem processadas. Ela não impede, por outro lado, que as plataformas apliquem suas próprias regras para removerem conteúdos.

Críticos, porém, dizem que ela incentiva a inércia das redes, ao não dar nenhum estímulo para que atuem.

Uma linha intermediária à declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade seria a “interpretação conforme a Constituição”, em que o artigo é mantido, mas ganha nova interpretação pelo Supremo.

Nesse cenário, vários pontos podem ser alvo de discordância entre os ministros, e aumenta a chance de questionamentos ao STF em relação a eventual avanço sobre as atribuições do Legislativo.

Há também quem aponte que, como há uma segunda ação sobre o assunto sendo julgada em conjunto e que trata de caso anterior ao Marco Civil, mesmo com a derrubada do artigo 19 a corte ainda poderia acabar tomando um caminho de impor regras.

Segundo apurou a Folha de S.Paulo com integrante do governo, uma interpretação é que a subida de tom da AGU pode ser uma estratégia para facilitar a formação de uma maioria por um voto intermediário.

No memorial apresentado na ação, assinado por Messias e datado de novembro, a União defendia que o artigo 19 fosse mantido, consistindo em regra geral, mas com o estabelecimento de uma série de exceções à norma geral.

As plataformas poderiam ser responsabilizadas, mesmo sem ordem judicial ou notificação, em caso de crimes contra o Estado democrático de Direito, terrorismo e crimes contra as crianças, entre outros.

Já para perfis falsos, ou “manifesta e deliberada desinformação em matéria de políticas públicas”, caberia responsabilização em caso de “omissão”, após notificação extrajudicial.

RENATA GALF / Folhapress

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