SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cinquentenário espaço destinado a eventos e feiras de negócios na zona norte de São Paulo, o agora privatizado Parque Anhembi voltou ao convívio do grande público com a realização da Bienal do Livro em setembro, seu primeiro evento popular desde a reinauguração em junho após 18 meses em reforma.
Pavilhões renovados, áreas de circulação ampliadas, aumento da oferta de sanitários, iluminação e climatização potentes chamam a atenção no processo de modernização, que também se viu diante do desafio de aliar requalificação urbana e preservação de construções históricas.
Sem restrições impostas por órgãos de preservação de patrimônio, mas pressionada por arquitetos paulistanos a manter partes icônicas do complexo, a concessionária responsável optou por um caminho intermediário ao aliar a mudança com manutenção de parte da estrutura original.
Vencedora da concorrência para explorar o espaço por 30 anos com o pagamento de outorga de R$ 902 milhões à prefeitura, a multinacional francesa GL Events é obrigada a investir R$ 662 milhões para repaginar o rebatizado Distrito Anhembi.
Três grandes equipamentos espalhados pelo terreno de 400 mil m² precisam ser renovados por força de contrato. São eles o conjunto com cinco pavilhões de exposições, o centro de convenções ambos já reformados, e o sambódromo, cuja reforma completa ocorrerá após o carnaval de 2025.
Dentro do ampliado centro de eventos, está a principal estrutura preservada. O teatro Celso Furtado permanece com sua monumental cúpula de concreto armado atravessando a laje que forma uma esplanada de 9.000 m².
Ícone do projeto do arquiteto Jorge Wilheim (1928-2014), o domo perdeu a cor amarela que, aliada ao formato, rendeu ao prédio o apelido de “pudim”. Agora ele é branco, mas pode ser multicolorido à noite, se acionada a iluminação com pequenas lâmpadas de led.
No interior da cúpula, foram mantidos piso e revestimentos de madeira, assim como a posição do palco. As poltronas foram reformadas de modo a se manterem fiéis ao desenho do arquiteto Sérgio Rodrigues (1927-2014), referência por ter criado uma identidade própria para o mobiliário brasileiro.
Cerca de 2.200 poltronas fixas estão distribuídas na plateia formada por dois grandes arcos. Outras 300 cadeiras foram removidas para a criação de uma área aberta diante do palco, que agora pode receber mesas ou virar pista de dança, por exemplo. Telões e equipamentos de iluminação modernos dão a impressão de que o lugar é novo em folha.
O centro de eventos é um dos principais trunfos do Distrito Anhembi. Além do teatro e de dois auditórios com 124 e 281 assentos, o espaço de 23 mil m² ganhou paredes modulares para ser dividido em até 24 salas. Essa flexibilidade é atrativa para grandes congressos que precisam de diferentes espaços para a apresentação de palestras e outros conteúdos simultâneos.
É um dos motivos que, segundo a concessionária, tem feito a capital paulista voltar a ganhar disputas com outras cidades da América do Sul para ser sede de eventos globais, como o Congresso Internacional da Água, em 2030.
No conjunto de pavilhões para grandes exposições, porém, a reconstrução preservou menos da estrutura antiga e gerou polêmica ao abrir mão da maior parte da cobertura metálica de 70 mil m².
A estrutura tem importância histórica para a arquitetura e a construção civil paulistana, diz a arquiteta Raíssa de Oliveira, cuja tese de mestrado na USP é sobre a construção do Parque Anhembi.
Feito extraordinário para a época, a cobertura foi suspensa por inteira, praticamente de uma vez, dentro de 72 horas, diz a arquiteta. Execução que representa “acúmulo de conhecimento absurdo”, comenta Raíssa.
“Do cálculo estrutural, uso de materiais, do desenvolvimento da indústria, da engenharia, dos novos rumos para a arquitetura”, completa a arquiteta.
A manutenção integral do telhado inviabilizaria, no entanto, a climatização do espaço exigida pela prefeitura, segundo a GL Events.
Reformado, parte do telhado foi mantido para formar uma ampla marquise sobre o calçadão externo. Também foram reformadas e mantidas colunas de sustentação originais com apoio triplo que lembram pés de galinha. Pontos que, na avaliação da concessionária, preservam a história da construção.
Houve ainda uma mudança na estrutura de sustentação do teto dos pavilhões, com redução do número de colunas de 61 para 16. Isso aumentou o aproveitamento da área que pode ser comercializada para a montagem de estandes, explica Rodolfo Andrade, diretor da GL responsável pelo Anhembi.
O Anhembi não é tombado por órgãos de preservação do patrimônio. Embora o processo de tombamento tenha sido iniciado, a gestão do ex-prefeito João Doria barrou a medida, conta Raquel Schenkman, presidente do IAB-SP (Instituto de Arquitetos do Brasil) em São Paulo.
“O fato de não ser tombado não obriga a preservação. Mas o complexo é significativo para história da cidade, da construção e da arquitetura”, diz Raquel.
Ela ressalta, porém, que o complexo precisa funcionar e se atualizar, e sugere que a concessionária retome ideias originais em futuras intervenções. “Quando concebido, era para ser um parque público ao lado do rio [Tietê]. Seria interessante que pudesse se completar o projeto do parque nessa atualização.”
A GL Events, que também administra o São Paulo Expo, argumenta que a capital precisava de um equipamento adequado aos grandes eventos internacionais. A expectativa é que o complexo movimente R$ 5 bilhões por ano na economia da cidade.
Ao conduzir a reportagem em uma visita ao complexo na terça-feira (1º), o coordenador de marketing Renato Di Giorgio estimou que o número de eventos anuais passará de 80, em 2024, para 150, em 2026.
Ele destacou alterações para dar fluidez à circulação pelo espaço, que agora pode receber até dez eventos simultâneos.
Um corredor de 80 metros agora faz uma ligação interna entre o centro de convenções e os pavilhões. Isso cria a possibilidade de transformar de conectar áreas para a realização de um megaevento nos quase 90 mil m² de área coberta e climatizada.
Fora da área da concessão, o trânsito e a consequente demora para acesso ao estacionamento que é terceirizado e não foi reformado ainda trazem transtornos ao entorno do novo Anhembi.
Durante grandes eventos, como foi a Bienal do Livro deste ano, motoristas de aplicativo chegam a bloquear parcialmente a avenida Olavo Fontoura.
Dentro do complexo, há somente pista exclusiva para embarque e desembarque para táxis. A GL avalia medidas a serem adotadas para atender quem vai ao centro com carros de aplicativo.
Assim espera José Viana, 60, motorista acostumado a enfrentar o trânsito naquela região do bairro, antes e depois da privatização do complexo. “A confusão continua igual”, reclamou durante a bienal.
A Prefeitura de São Paulo afirma que a CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) organiza o acesso durante grandes eventos.
CLAYTON CASTELANI / Folhapress