BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Interceptações telefônicas e relatórios de acessos processuais levaram o Ministério Público de São Paulo a pedir a prisão do servidor Felipe Coelho Lopes, oficial de promotoria lotado em Lençóis Paulista. Ele é suspeito de fornecer sua conta profissional para que acusados de elo com o PCC obtenham informações sob segredo de Justiça.
Lopes foi preso temporariamente nesta quinta (28), em Bauru, a 43 quilômetros de Lençóis Paulista, e teve um computador, um pendrive e um HD apreendidos. Ele já passou por audiência de custódia e teve a prisão ratificada pela Justiça. Também foi preso o empresário Thomas Malho Franzese, que teria se beneficiado da senha fornecida pelo servidor. Franzese é proprietário de empresas suspeitas de fraudar licitações em São Paulo. Ambos os mandados foram emitidos pela 2ª Vara Criminal de Mogi das Cruzes.
A reportagem tentou contato com a Defensoria Pública, nomeada para defender Lopes na audiência de custódia, mas não obteve retorno. A defesa de Franzese não foi localizada -os telefones de advogados que constam em petições não completaram chamada ou não atenderam.
A apuração investiga suposto esquema de obstrução da Justiça, violação de sigilo e corrupção e é conduzida pelo Gaeco (grupo de combate ao crime organizado do Ministério Público), em conjunto com o Setor de Combate ao Crime Organizado, Corrupção e Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil.
As suspeitas em torno do oficial começaram no início do ano razão do vazamento da Operação Khalifa, que apurou uma rede de agiotas do PCC que emprestavam dinheiro a comerciantes a abusivos juros de até 300% ao mês.
Onze pessoas foram condenadas, em sentença publicada também na quinta-feira (28), nas ações abertas a partir da operação. A decisão que autorizou a prisão da dupla, a cujo teor a reportagem teve acesso, diz que o vazamento da Khalifa se evidenciou a partir de interceptações telefônicas feitas pelo Ministério Público nas quais os próprios alvos da futura operação comentavam o teor do inquérito.
Mais do que isso, destaca a decisão, “alguns acusados se evadiram [após a deflagração da operação] e outros, mesmo localizados, tinham apagado provas e destruído evidências”. Foi o estopim para que a Promotoria pedisse ao Tribunal de Justiça de São Paulo relatório sobre quem havia acessado o processo sigiloso da Khalifa.
O levantamento do Tribunal mostrou que “o usuário Felipe Coelho Lopes acessou, por diversas vezes, a medida cautelar de afastamento do sigilo das comunicações telemáticas e o procedimento de investigação criminal da operação Khalifa”. Os acessos ocorreram no dia 22 de fevereiro de 2024, entre às 13h20 e às 20h35.
O IP (Protocolo de Internet) utilizado para baixar documentos sigilosos, segundo descobriu o Ministério Público, é ligado a Franzese, que é proprietário de uma empresa de tecnologia da informação que mantinha relações suspeitas com o advogado Dario Reisinger. Os dois são suspeitos de agir em conluio para fraudar concorrências públicas em São Paulo.
A Promotoria chegou a pedir a prisão de Reisinger, mas a Justiça negou porque ele já está em regime domiciliar e “não trará novos elementos à investigação”. O advogado é de Suzano e chegou a ser presidente do União Brasil do município, cargo que deixou em 22 de abril deste ano ante a suspeita de que mantém elo com o PCC.
Sobre a suspeita de elo com a facção, Reisinger negou à Justiça todas as acusações e disse que, “ao final da instrução processual, restará resguardado o seu status constitucional de inocência, com a sua consequente absolvição e julgamento de improcedência do pedido condenatório”.
A investigação encontrou mensagens que ligam Franzese a Dario Reisinger. “O reiterado acesso aos processos criminais, as circunstâncias em que deram esses acessos e a fonte do vazamento da informação da existência da operação Khalifa, com consequente obstrução à investigação, revelam o ciclo delitivo da organização criminosa”, afirma a decisão.
A conta do oficial do Ministério Público também acessou outros litígios criminais. Alguns deles durante a madrugada e cujos IPs apontam para local estrangeiro, fora do Brasil, o que levanta a suspeita, segundo as autoridades, do uso de VPN (serviço que criptografa dados) nesses procedimentos.
“Segundo apurado, no período compreendido entre junho de 2023 e julho de 2024, foram consultados 3.522 processos, sendo 101 da região de Bauru, 544 da comarca de São Manuel e apenas 23 da Comarca de Lençóis Paulista, sua lotação atual”, afirma trecho da decisão obtida pela reportagem. O servidor consultou processos de 166 comarcas ou foros distintos no estado de São Paulo.
Segundo as investigações, ele também oferecia serviços de busca online na plataforma GetNinja, o que sugere, de acordo com a decisão, “indício de que o servidor, utilizando-se do aparato estatal, acessa processos de grande repercussão ou que despertem interesse midiático e assim consegue vazar dados que estejam sob sigilo”.
ANDRÉ FLEURY MORAES / Folhapress