BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), protocolou na tarde desta sexta-feira (29) o projeto de lei com parte das medidas de contenção de gastos anunciadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Uma das mudanças presentes no texto é a limitação do ganho real do salário mínimo aos percentuais de expansão do teto de despesas do arcabouço fiscal.
A decisão de delegar a apresentação do projeto ao líder do governo foi uma estratégia para agilizar a formalização das medidas.
Se a proposta fosse encaminhada diretamente por Lula, ela ainda precisaria ser submetida a diversas análises e revisões técnicas, com elaboração de despachos e pareceres, para cumprir o rito burocrático exigido dentro do Executivo. Isso possivelmente inviabilizaria o envio formal do projeto de lei ainda nesta semana, como sinalizou a equipe econômica.
O texto também traz mudanças no BPC (Benefício de Prestação Continuada), no Bolsa Família e no FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal).
A nova regra do salário mínimo prevê que o ganho real do piso seguirá vinculado ao crescimento do PIB de dois anos antes, mas vai oscilar entre 0,6% e 2,5% ao ano, conforme a expansão do limite do arcabouço fiscal.
Caso a expansão do arcabouço seja 2,5% acima da inflação, o piso poderá ter ganho real de até 2,5%. Se a correção do limite for de 2%, esse será o teto de crescimento para o salário mínimo.
O percentual, porém, será um teto. Isso significa, na prática, que é possível haver um aumento menor no salário mínimo do que a ampliação do limite de despesas em determinado ano. Por outro lado, o ganho real não poderá ser menos que 0,6% ao ano.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a nova regra deve gerar uma redução de R$ 6 no salário mínimo já em 2025. O piso iria a R$ 1.521 pela política atual, mas deve ser corrigido a R$ 1.515 caso o projeto seja aprovado ainda este ano pelo Congresso Nacional. A nova regra valerá até 2030.
O projeto também traz uma série de ajustes no BPC, benefício assistencial no valor de um salário mínimo pago a idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência de baixa renda, e no Bolsa Família.
No BPC, entre as medidas mais duras está a retomada da contabilização de benefícios da seguridade (como aposentadoria, pensão ou o próprio BPC) na renda familiar per capita observada como critério de elegibilidade ao programa. Desde 2020, o Congresso Nacional permitiu descontar esses valores, facilitando a concessão e permitindo até mesmo o acúmulo de dois ou mais benefícios na mesma família.
Também há um ajuste no conceito de pessoa com deficiência para fins de elegibilidade ao programa. O texto diz que a pessoa com deficiência é aquela “incapacitada para a vida independente e para o trabalho”, o que tende a excluir pessoas com deficiência de grau leve ou moderado.
O ex-presidente do INSS Leonardo Rolim é crítico dessa mudança, pois trata a deficiência como invalidez, punindo indivíduos que se esforçam para superar suas limitações em busca de colocação no mercado de trabalho -conduta que, para o especialista, deveria ser incentivada.
O projeto de lei também torna obrigatório a informação do CID (classificação internacional de doenças) na concessão do BPC para pessoa com deficiência. Há ainda uma mudança na definição do conceito de família para fins de medição da renda familiar, ampliando o rol de pessoas cujos ganhos serão contabilizados no critério.
Ainda no BPC, o texto veda dedução de rendas não previstas em lei (o abatimento dessas parcelas facilita o enquadramento no programa) e classifica como capaz de prover seu próprio sustento alguém que tenha posse ou propriedade de bens ou direitos, inclusive terra nua, em valor que supere R$ 800 mil (limite de isenção de patrimônio para fins de obrigatoriedade de declarar Imposto de Renda).
No Bolsa Família, o projeto prevê que os municípios e o Distrito Federal precisarão observar um índice máximo de famílias unipessoais (formadas por apenas uma pessoa) entre os beneficiários do programa. Esse índice será definido em ato do Poder Executivo. Hoje, o MDS (Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) já limita o atendimento a essas famílias a 16% dos inscritos, mas a medida consta em portaria, sem força de lei.
O texto ainda prevê a possibilidade de o governo reduzir os critérios da regra de permanência do Bolsa Família sem necessidade de uma nova lei.
Hoje, quando uma família passa a ter uma renda familiar per capita acima de R$ 218 (linha de corte máxima do programa) e abaixo de meio salário mínimo (hoje R$ 706), a lei do Bolsa Família prevê o pagamento de metade do valor do benefício por um período de 24 meses. O projeto de lei traz um dispositivo que permite reduzir tanto o limite superior quanto a proporção do benefício a ser pago por meio de ato do Executivo.
O texto ainda prevê obrigatoriedade de cadastro biométrico para manutenção, renovação e concessão de benefícios da seguridade social.
Também consta a necessidade de atualização cadastral em, no máximo, 24 meses para benefícios que usam o Cadastro Único. Em 2025, porém, passarão por revisão os cadastros desatualizados há menos tempo: a partir de 18 meses. O cronograma será implementado a partir do ano que vem.
O projeto ainda prevê que as despesas do Proagro, programa de seguro rural bancado com ajuda do governo federal, passarão a observar o espaço disponível no Orçamento. O governo já tentou apertar as regras da política, mas a medida agora busca impor uma contenção mais rígida ao programa.
Na coletiva desta quinta-feira (28), o ministro Fernando Haddad (Fazenda) ressaltou que, hoje, o Proagro é uma despesa obrigatória e não se sujeita a nenhum limite específico.
“O Proagro é orçado, mas, como é gerido pelo Banco Central, o Banco Central vai mandando a conta do Proagro independentemente de limite orçamentário. Acaba causando um constrangimento na execução orçamentária por conta desse descasamento, [entre] o que é autorizado e o que é orçado. Nós estamos eliminando esse dispositivo. Ou seja, o que é autorizado tem de estar orçado previamente, não pode ser autorizado um gasto sem que ele esteja previamente orçado”, afirmou o ministro.
O projeto ainda trata da mudança no modelo de reajuste anual do FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal).
Esse fundo é abastecido pela União para custear despesas de pessoal do Distrito Federal, principalmente com as áreas de segurança pública, saúde e educação. A justificativa para sua existência é que o governo distrital deve cuidar do espaço ocupado pela administração federal, em Brasília, e até mesmo outros países, por meio de suas embaixadas.
A proposta prevê que os recursos do fundo sejam corrigidos pela inflação, calculada pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Atualmente, a variação se dá como base na Receita Corrente Líquida, que tem tido crescimento maior.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress