SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O atleta brasileiro dos eSports Gabriel “FalleN” Toledo, 33, ganhou fama internacional com uma habilidade ímpar em matar inimigos. Com armas de vários calibres, em especial com um poderoso rifle de precisão AWP (Arctic Warfare Police), fez exatas 34.070 vítimas até agora, pelas contagens oficiais.
Longe das telas do computador, porém, o Professor, como também é conhecido, confessa que suas paixões são outras. Prefere, por exemplo, o xadrez (que também pratica) a pegar em uma arma de verdade. “Eu particularmente não sou muito fã de armas, eu não tenho armas e não tenho pretensão de ter armas”, disse ele, mas sem criticar quem gostam.
FalleN iniciou sua carreira nos jogos eletrônicos ainda na adolescência no interior de SP e conseguiu conquistar um reconhecimento almejado por todo atleta: é visto, em plena atividade, com uma lenda do eSports e tem status de maior jogador brasileiro de CS (Counter-Strike).
O Counter-Strike é uma das franquias mais populares no mundo em jogos de tiro em primeira pessoa. Ele simula um combate tático e estratégico entre duas equipes formadas por terroristas e contra-terroristas. No modo clássico, os primeiros tentam explodir uma bomba, e os segundos tentam impedi-los.
O maior campeonato da categoria é conhecido como Major. Toledo já tem dois deles na estante e, neste sábado (30), começa uma nova batalha em Shanghai (China) para levar o terceiro troféu como capitão da Furia, equipe formada também pelos brasileiros Yuurih, Kscerato, Chelo e Skullz. Sidde é o atual coach.
Esse pode ser o último Major da carreira de FalleN. Uma vitória pode levá-lo à aposentadoria, decisão que ficará para o segundo semestre de 2025, quando termina seu contrato com a atual equipe. A conquista de Toledo também pode levar a aposentadoria de outro ícone do eSports, o narrador Alexandre Borba Chiqueta, o Gaulês, como brincou um dos maiores streamers do mundo.
“O Gaules disse que vai se aposentar quando a gente [brasileiros] ganhar um major? Então, eu vou ter a chance de aposentar o Gaules mês que vem já, se Deus quiser. Seria ótimo, né? [risos]”, brinca.
Toledo falou à Folha de S.Paulo no início deste mês. Na ocasião, o jogador estava em Malta, onde está sediada a equipe da Furia. Na conversa, ele falou de política, fim da carreira, do tempo de Exército e de sua visão sobre eSports o Brasil.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
*
PERGUNTA – Na vida real, você é também bom de tiro? Como foi seu desempenho no Exército?
GABRIEL TOLEDO – [O Exército] Foi uma experiência fantástica, eram cem pessoas que estavam divididas em dois blocos lá no tiro de guerra. Foi uma experiência que eu faria de novo. Se você falasse: ‘pô, você viveria isso novamente na próxima vida?’ Eu acho que eu me alistaria de primeira.
Então, tive alguma experiência [com armas], mas foi bem pequena. Nem deu pra ir muito a fundo nisso. Eu particularmente não sou muito fã de armas, eu não tenho armas e não tenho pretensão de ter armas. Eu entendo a necessidade, entendo outros pontos de vista de quem quer ter, entendo que tem pessoas que querem se sentir mais seguras. Como tudo na vida, tem o lado bom e o lado ruim, né? Têm muitas coisas ruins que acontecem com armas também que poderiam ser evitadas, mas a gente sabe que o mundo não é um conto de fadas também, né? A gente vai ter sempre argumentos para os dois lados. Acho que cada um tem que fazer o que acha ser mais correto para suas próprias vidas.
P – O Gaules brinca que vai se aposentar quando os brasileirinhos ganharem um Major. Você acha que consegue aposentá-lo neste ano?
GT – O Gaules disse que vai se aposentar quando a gente ganhar um Major? Então eu vou ter a chance de aposentar o Gaules mês que vem já, se Deus quiser. Seria ótimo, né? [risos] Assim, eu sinto que a nossa equipe está dando passos largos em termos de evolução. A gente ainda não tá concorrendo aos favoritos quando entra no torneio, mas a gente já tá começando a aparecer lá, o que pra gente já é uma grande evolução. A gente espera em breve poder brigar por esses títulos. Seria lindo, né? Em 2016, quando a gente venceu o nosso primeiro torneio, a gente também estava na mesma situação. Então, você não precisa necessariamente ser favorito pra vencer. Tomara que a gente aposente o Gaules já no mês que vem. Vamos fazer o máximo que a gente pode pra isso.
P – Qual sua relação com o Gaules atualmente?
GT – A gente tem uma história já bastante antiga. Começou com a gente competindo um contra o outro. Depois passou a ser a gente trabalhando em projetos juntos. Depois disso, acabou que o Gaules teve algumas viradas na vida dele lá e começou as streams, né? E acabou virando ali o principal transmitidor dos jogos, vamos dizer assim, de CS no Brasil.
Eu acredito que a mensagem que a stream dele passava quando assistia aos jogos do Brasil era uma mensagem muito positiva, uma mensagem até meio nacionalista, mas no sentido de empurrar a torcida brasileira. Acho que como todo projeto, tudo se modifica um pouco. Foi difícil sustentar só esse lado durante muito tempo. Eles também são criadores de conteúdo. Quando o material para o conteúdo não é tão positivo, é difícil manter essa positividade exacerbada. É fácil torcer para quem vence, né? Mas quando está tomando muito na cabeça e perdendo, às vezes a criação de conteúdo tem que vir para um outro lado também. Aí, muitas vezes, esse outro lado acaba não agradando tanto e acaba também dando espaço para alguns “trolls” de terem mais participações e acabaram destilando um pouco de “hate”. Então eu, do outro lado, às vezes acabo recebendo um pouco dessa outra parte. Posso dizer que sou grande fã do trabalho ainda, acho que eles trabalham super bem, mas como jogador a gente acaba tomando algumas batidas que a gente tem que saber administrar. Mas a gente ainda é muito próximo. Acho que dentro do que a gente já foi próximo, a gente continua sendo próximo igual.
P – As partidas online, inclusive de CS, são marcadas por um cenário tóxico, com falas racistas, machistas, homofóbicas e xenófobas. Como lidar com isso?
GT – É, a toxicidade nos lobbies, nos encontros online, principalmente entre pessoas que não se conhecem, ainda é um problema e acho que ela sempre vai ser, sendo bem sincero, porque a internet como um todo dá essa sensação de anonimato muito grande. Às vezes o jogo é utilizado como fuga de algumas coisas. Ele [jogador] tá querendo aquele prazer de estar vencendo um jogo para fugir do que ele tá passando na vida dele ali. Acho que muitas vezes as pessoas entram para jogar sem um propósito muito definido e entram muito no piloto automático. Aí, a gente vai ver muitas frustrações sendo espalhadas.
Existem alguns perfis de pessoas que entram para jogar. Tem aqueles caras que entram para jogar e estão muito focados em serem melhores. Às vezes não sabem muito bem como fazer isso e estão se frustrando porque depositam a falta de sucesso delas nos companheiros de equipe.
Acredito que a melhor maneira de escapar um pouco disso seja tentar fazer amizades. Nesses lobbies, vai surgir uma ou outra pessoa com quem você se conecta bem também, porque não é só a negatividade. Vai ter aquele cara que fez boas jogadas com você, vai ter aquele cara que trocou um papo legal com você, com aquela guria e tal.
O jogo pelo jogo, ele dá espaço pra um monte de coisa, incluindo os “trolls”. Até fica aí, para quem tá ali nessa entrevista e joga games: tenta escolher com qual mentalidade você vai entrar para um jogo da próxima vez que você jogar. Você vai ver que a experiência é totalmente outra.
P – Você considera eSport como esporte?
GT – Eu acredito que dá pra olhar pra essa discussão de duas maneiras. A primeira dela é que quando a gente vai comparar a parte física com os outros esportes, de fato, a parte física no computador não vai ser latente, né? O cara não está gastando energia, sedentário, não está gastando nenhuma caloria e tal. E eu consigo entender os argumentos por essa via.
Mas aí cai, em contrapartida, quando a gente já começa a aceitar o xadrez como esporte também. Se o xadrez é um esporte e já é aceito, e ele também está sentado numa cadeira, mesma coisa, né? O segundo ponto é que o esporte inspira as pessoas a quererem ser iguais ou a usarem aquilo como motivação na vida delas. Acredito que o esporte eletrônico também faça isso. Então, acho que cada um pode escolher o que quiser sobre esse assunto. A minha opinião é essa. Se houver ecossistema, se houver gente pra assistir e houver a intenção de ser melhor do que o outro, é um esporte.
P – Hoje você ganha mais dinheiro jogador ou como empresário?
GT – Eu ainda vivo mais do meu trabalho do que qualquer outra coisa, né? Dentro da minha empresa, eu basicamente, em todos esses anos, não fiz nenhuma retirada de dinheiro, tudo que acontece dentro da Fallen Company a gente reinveste, a gente cria novas coisas. Obviamente que é uma maneira da minha família também sobreviver, todos os meus irmãos trabalham lá, minha mãe, então é uma coisa familiar assim, mas eu literalmente nunca usei pessoalmente nenhum real de lá para meus fins pessoais.
P – Teve um telefonema do Bolsonaro para você que virou uma polêmica. Você tem posição política?
GT – Olha, sendo bem sincero, desse ponto de vista político, eu realmente não tenho muito a dizer assim. Mas, como qualquer jovem, muitas vezes a gente acaba recebendo muitas informações, mídias sociais, externas, e às vezes a gente tem muita facilidade em acreditar que a gente sabe tudo sobre algo e acha que aquele é o caminho. Então eu não vou negar que eu já fui um pouco de vítima disso também. Passei por uma fase assim, quando eu era ainda mais jovem, e depois fui tomando um pouco mais de consciência de que não é bem assim. Então, eu já passei um pouco por isso.
Em relação às conexões que você mencionou, por exemplo, a ligação do Jair Bolsonaro, eu tenho consciência de que quando alguém desse porte te liga, independente se é Bolsonaro, se é Lula, se é Marçal, não importa quem seja, eu tenho a concepção de que existem interesses por trás dessa ligação, não vou negar. É óbvio que se alguém está ligando, existem motivos para estar ligando. Eu sei que no fundo pode existir isso, mas eu não gosto muito de viver a minha vida tentando muito imaginar o que a outra pessoa está fazendo. Pra mim, é motivo de muita gratificação, seja lá Bolsonaro, seja lá Lula, quem for, é uma posição legal. Então, eu atenderia a qualquer ligação, seja de Bolsonaro, seja de Lula, seja de qualquer presidente do Brasil, com o maior orgulho, porque dentro do que eu puder ajudar, do que eu puder falar, eu estou à disposição para contribuir.
*
ROGÉRIO PAGNAN E FÁBIO HADDAD / Folhapress