LONDRES, INGLATERRA (FOLHAPRESS) – “Eu gostaria que vossa excelência, por favor, que vossa excelência ou o senhor não me interrompesse porque é uma linha de raciocínio…”, disse a então senadora Simone Tebet (MDB-MS), em audiência da CPI da Covid, em 2021.
Hoje ministra do Planejamento, Tebet era líder da bancada feminina do Senado quando ficou nos holofotes durante a comissão que investigava a atuação do governo Jair Bolsonaro na pandemia.
Na fala reproduzida acima, ela se dirigia ao depoente do dia, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, para pudesse completar a fala. Na mesma sessão, Tebet teve seu discurso atravessado ao menos 11 vezes pelos homens na sala.
A constante interrupção de Tebet não é caso isolado, mostra um estudo publicado no mês passado na revista Dados, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). A pesquisa analisou discursos no Senado entre 1995 e 2018 e concluiu que mulheres líderes são mais interrompidas do que homens com os mesmo cargos.
Os dados dos quase 70 mil discursos analisados pelos pesquisadores Débora Thomé, da Fundação Getulio Vargas, e Mauricio Izumi, da Universidade Federal do Espírito Santo, mostram que mulheres que acumulam poder simbólico, como o cargo de líder partidária ou de bancada, têm 12,5% a mais de chance de interrupção que homens na mesma posição.
“Nós tínhamos a hipótese de que as mulheres seriam mais interrompidas sempre”, explica Thomé. Isso não se confirmou, e homens sem posição de liderança têm 7,5% a mais de chance de sofrerem um aparte.
“Mas, quando a mulher passa ter algum poder simbólico, ela passa a ser mais interrompida a ponto de muitas vezes não conseguir completar o raciocínio”, diz a pesquisadora.
E por que isso importa? “O Parlamento é o lugar do discurso, de expor suas ideias. Se a mulher não consegue fazer isso, ela não está ocupando aquele lugar a contento”, afirma.
No caso de mulheres eleitas, que ainda são minoria no Congresso, as relações de poder internas definem o quanto de agenda e efetivo poder político as senadoras e deputadas são capazes de exercer.
Não basta, portanto, estar eleita. “Nós quisemos olhar para isso para ver o quão efetiva é a representatividade feminina na política, porque, se a gente não consegue aumentar o poder das mulheres que estão dentro, fica difícil avançar”, diz Thomé.
A interrupção de uma mulher por um homem que não a deixa completar o raciocínio tem até um nome específico em inglês, que se popularizou nos círculos feministas nos últimos anos: manterrupting (junção de “man”, homem, e “interrupting”, de interrupção).
A prática não é exclusiva do Senado. O influenciador Pablo Marçal (PRTB), durante sua campanha à Prefeitura de São Paulo, por vezes interrompia a única mulher entre os candidatos mais bem colocados, Tabata Amaral (PSB).
Na pesquisa sobre as senadoras, um dado chama a atenção: as mulheres líderes têm mais chances de serem interrompidas por senadores do próprio partido. Os dados mostram que elas têm 28,5% mais chances de serem cortadas durante a fala por um correligionário do que um homem em posição semelhante.
Para Thomé, as disputas internas por poder nos partidos e uma maior percepção de falta de legitimidade da liderança feminina impulsionam essas interrupções. “É surpreendente, mas uma surpresa relativa se a gente parar para pensar que todos eles estão disputando espaço interno dentro das legendas”, afirma.
As interrupções analisadas acontecem em vários pontos do espectro ideológico. Em um dos exemplos do estudo, a então senadora Ana Amélia (PP-RS) discursava em 2017 quando foi interrompida por Ivo Cassol (PP-RO), que passou a falar sobre uma emenda que ele próprio havia apresentado ao projeto que ela abordava.
Anos antes, em 2000, a então senadora petista Heloísa Helena (AL) começou um discurso falando 230 palavras. O então senador Eduardo Suplicy (PT-SP) pediu para interrompê-la e fez uma fala de 518 palavras mais do que o dobro do discurso original.
Além disso, mulheres possuem 11,4% mais chance de serem questionadas por seus pares do que líderes homens, dado lido no estudo como uma maior chance de terem sua credibilidade posta em xeque.
Para os pesquisadores, o trabalho demonstra que as barreiras de gênero não deixam de existir uma vez que a mulher passa pelo primeiro desafio, o de ser eleita. “É preciso se preocupar com o quanto essas mulheres estão exercendo poder efetivo dentro do Parlamento”, conclui Thomé.
ANGELA BOLDRINI / Folhapress