Garantir uma renda extra na aposentadoria é um dos principais objetivos de quem investe em previdência privada, segundo pesquisa Datafolha contratada pela Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida). Entre os que responderam ter uma previdência complementar, 57% dizem que o objetivo é ter uma fonte de renda após parar de trabalhar.
Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que a modalidade é uma opção interessante para acumular recursos no longo prazo, mas ressaltam que há pontos de atenção que devem ser levados em consideração.
Para Márcia Dessen, planejadora financeira CFP pela Planejar, a previdência privada tem características positivas para quem quer acumular uma reserva para a aposentadoria. A principal vantagem, diz, é para quem pensa no planejamento sucessório, dado que os valores aplicados não entram em inventário. “O dinheiro cai na conta em 30 dias, o que dá um fôlego para a família continuar vivendo enquanto se desenrola o inventário, que é demorado, e até para pagar os custos da partilha”, afirma.
Especialistas também destacam o Tesouro RendA+ como opção para investir para a aposentadoria. Funciona assim: o investidor escolhe uma data para se aposentar e vai aplicando o dinheiro ao longo dos anos até lá. Quando chega a data, ele passa a receber uma renda, de acordo com o volume que acumulou, por 20 anos, corrigida mensalmente pela inflação, o que mantém o poder de compra.
Para quem fica com o título até o vencimento, não há cobrança de taxas. “Aqui eu fico com tudo o que acumulei, não tem custo, desde que a renda futura seja de até seis salários mínimos. No entanto, o imposto segue a tabela de renda fixa, cuja menor alíquota é 15%,enquanto na previdência privada pode chegar a 10%, e ele entra em inventário”, explica a planejadora.
A possibilidade de pagar 10% sobre o rendimento na previdência privada é aplicada a quem opta pela tabela regressiva e tem um VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre), desde que deixe o dinheiro aplicado por pelo menos dez anos. Para comparar, na maioria dos investimentos de renda fixa, a menor alíquota de Imposto de Renda é 15%.
Para quem tem PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre), é possível deduzir o valor aplicado da renda bruta tributável até o limite de 12% no ano. Como a base de cálculo para o imposto fica menor, o valor final do IR também será menor. Essa regra, no entanto, vale apenas para quem contribui para o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e faz a declaração do IR (Imposto de Renda) pelo modelo completo.
É preciso considerar que esse benefício é, na verdade, um diferimento, ou seja, o pagamento do imposto é adiado, porque ele será pago no momento do resgate ou do recebimento da renda. No PGBL, o imposto é cobrado sobre o valor principal mais os rendimentos.
Dessen afirma que há ainda outras questões que devem ser levadas em consideração, como o custo do plano de previdência. Segundo ela, para que o plano de previdência não fique com uma fatia muito alta do dinheiro aplicado, é preciso procurar aqueles com taxa de administração mais baixa, entre 0,3% e 0,5% ao ano, no máximo.
“O problema é que planos com taxa de administração nessa faixa, em geral, não estão disponíveis para quem tem pouco dinheiro para aplicar. Acima disso, começa a complicar. Com uma taxa de administração de 1%, ao longo de 20 anos de acumulação, que é um período normal de acumulação para esse tipo de objetivo, o administrador do plano fica com 20% do total acumulado, enquanto a pessoa que aplicou fica com 80%, porque a taxa incide sobre todo o capital acumulado, não apenas sobre os rendimentos”, adverte.
Outro conselho da especialista é manter os pagamentos à Previdência Social. “Não se deve abrir mão do INSS, pois ele oferece benefícios adicionais, como aposentadoria por invalidez, pensão por morte e salário-maternidade”, diz a planejadora financeira.
A previdência privada também é um caminho interessante para autônomos e para todos que contribuem pelo piso do INSS. “A tendência é que os valores pagos pelo INSS sejam cada vez mais baixos, como tem acontecido nos últimos anos. Então, não dá para contar apenas com a Previdência Social, é preciso ter um complemento”, afirma.
Já para quem tem plano de previdência patrocinado pelo empregador, há mais vantagens. Nesses casos, a empresa costuma contribuir também para o plano dos funcionários. Cada uma tem suas regras, que pode ser algo como 1 para 1, ou seja, a cada real que o funcionário coloca no plano, a empresa coloca mais um. “Quem tem o privilégio de trabalhar numa empresa que oferece plano de previdência privada como um benefício deve ir no limite do que o empregador contribui”, afirma Dessen. “Mesmo que a pessoa saia da empresa, ela leva pelo menos a parte que ela contribuiu, não perde nada. Já o dinheiro que a empresa colocou em nome do funcionário, esse tem que cumprir a regra de permanência, que varia caso a caso”, diz.
Erros e acertos
Letícia Pires, 40, passou por diversos altos e baixos durante a sua já longa história com os planos de previdência. Usou errado, perdeu dinheiro e depois aprendeu novas táticas para se beneficiar.
A designer conta que tudo começou quando era estagiária de uma editora que produzia conteúdo de divulgação para uma seguradora. “Não só fiz um plano para mim como também fiz outro para a minha irmã, de presente. Sem conhecer as regras direito, resgatei o valor com menos de dez anos para pagar um curso e perdi dinheiro”, relata.
Depois, ela trabalhou em uma grande empresa que oferecia o plano de previdência como benefício aos funcionários. Ao sair de lá, fez a portabilidade. “Aqui tomei a medida certa e não perdi dinheiro.” Quando começou a ganhar mais, passou a usar a previdência para ter o benefício da dedução da base de cálculo do IR.
Para fazer os investimentos mais adequados ao seu perfil, ela tem uma planejadora financeira. “Contratei meu primeiro planejador financeiro pessoal aos 27 anos, porque queria ter uma relação saudável com o dinheiro”, explica.
Recentemente, fez um curso com uma influencer de finanças e agora montou uma carteira só de previdência, que tem nove planos, com composições e gestores diferentes. “Meu portfólio não é formado só por previdência privada, mas entendo a carteira de longo prazo como uma carteira que por si só precisa ter bastante diversidade”, afirma.
Essa possibilidade de diversificação é justamente uma das vantagens da previdência privada, segundo Antônio Sanches, analista de research da corretora Rico. “Os fundos de previdência são só um veículo, podendo ter diferentes tipos de estratégia. Tem fundos de previdência que investem em renda fixa pós-fixada, em crédito privado ou em renda fixa atrelada à inflação, para proteger o poder de compra do investidor ao longo do tempo, ou até em ações, em busca de um rendimento maior no longo prazo”, diz.
Para decidir em qual plano investir, Sanches afirma que é preciso avaliar se a estratégia do fundo está de acordo com o perfil dele e com seus objetivos. “Se a pessoa é mais conservadora, é recomendável buscar os fundos de renda fixa, que criam uma proteção para o dinheiro dela em relação à inflação. Se for mais moderada, pode optar por fundos multimercados, que têm uma carteira mais completa, com diversificação maior de ativos. Se for um investidor mais agressivo, com perfil e apetite a risco, pode investir em um fundo de previdência em ações, que tem mais volatilidade, mas também um retorno esperado maior”, explica.
ALESSANDRA MILANEZ / Folhapress