Sem acordo, tratado global contra a poluição plástica é adiado para 2025

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os mais de 170 países que estão reunidos desde a última segunda-feira (25) em Busan, na Coreia do Sul, não conseguiram chegar a um acordo sobre itens cruciais de um tratado global de combate à poluição plástica, negociado há dois anos no âmbito da ONU pelo INC (Painel Intergovernamental de Negociações) e previsto para ser selado neste domingo (1º).

“Está claro que há divergência persistente em áreas críticas e é necessário mais tempo para que essas áreas sejam abordadas”, disse Inger Andersen, Diretora Executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Um encontro extra será marcado para 2025 na busca por consenso sobre artigos sensíveis do texto que envolvem a movimentação de recursos vultuosos tanto públicos como privados. São eles a redução da produção de plásticos e aditivos químicos considerados problemáticos para a saúde humana e do planeta, e o mecanismo de financiamento global capaz de bancar as mudanças necessárias ao cumprimento das novas regras.

“Cada dia sem tratado é mais um dia de poluição plástica. Governos de todo o mundo precisam assumir suas responsabilidades pela não-conclusão do tratado”, critica Pedro Prata, oficial de políticas públicas para a América Latina da Fundação Ellen MacArthur.

“Por outro lado, as últimas 48 horas tiveram avanços significativos. Pela primeira vez, há cerca de 100 países realmente articulados por um texto ambicioso. Não há acordo, mas o xadrez da negociação se moveu.”

O chamado “Acordo de Paris do plástico” deve ser o maior pacto ambiental do planeta desde o acordo climático de 2015. Ele pretende criar regras globais juridicamente vinculantes para reduzir a poluição plástica no mundo, que é puxada por itens com vida útil menor do que cinco anos, como embalagens (40%), bens de consumo (12%), roupas e outros têxteis (11%). Apenas 9% do plástico é reciclado globalmente.

O plástico é um derivado do petróleo que passa pela industria química e sua produção dobrou nos últimos 20 anos no mundo. A produção de lixo plástico também dobrou em duas décadas, e projeções indicam que ela deve triplicar até 2060. Parte dele vaza para o meio ambiente e desconhece fronteiras —fragmentos minúsculos já foram encontrados em diversas partes do corpo humano.

Para boa parte dos países do INC, reduzir o lixo plástico significa reduzir a produção de determinados tipos de material que parecem ser especialmente danosos para o meio ambiente e a saúde humana.

O secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Adalberto Maluf, que faz parte da delegação brasileira no INC-5 em Busan, avalia que o encontro na Coreia do Sul avançou no entendimento de que é necessária a regulação de certos aditivos químicos e na eliminação de alguns plásticos.

“As tensões geopolíticas globais e a união dos países produtores de petróleo não permitiram que esses avanços se materializassem em textos e acordos. Além disso, os países ricos tampouco parecem dispostos a financiar a transição e a investir no pagamento pela recuperação da poluição existente, embora eles sejam os grandes consumidores de plástico per capita”, afirma Maluf.

O INC-5 reuniu cerca de 3.000 delegados de mais de 170 países. Na plenária final, quando a representante da delegação de Ruanda pediu aos presentes que se levantassem das suas cadeiras caso fossem favoráveis a um tratado realmente ambicioso, quase toda a plateia ficou de pé e a aplaudiu.

O texto fechado no domingo (1º) e que será base para o INC extra, chamado de INC-5.2, traz uma lista de produtos plásticos a serem gradualmente eliminados, como hastes para cotonetes, canudos de uso único, microplásticos intencionalmente adicionados a cosméticos e plásticos oxibiodegradáveis. São itens considerados por ambientalistas e especialistas em poluição como o mínimo necessário, mas chegaram a ficar de fora de versões anteriores negociadas em Busan.

Outro ponto de tensão e discórdia foi o mecanismo de financiamento do tratado, considerado crucial pelos países em desenvolvimento, pobres ou insulares —alguns deles estão entre os mais afetados pela poluição plástica que vaza para os oceanos.

Uma proposta apresentada ao INC-5 pelos países africanos, latino americanos, caribenhos e de ilhas do Pacífico, subscrita por 120 delegações, foi ignorada. E o texto adotado pela presidência do INC, derivado da proposta dos países desenvolvidos, desconsiderava as diferenças entre países quanto a recursos e capacidade disponíveis para a implementação do tratado. O Brasil se referiu a esse movimento como “falta de respeito”.

Todas as rodadas de negociações foram marcadas pela polarização entre países dois grupos de países. De um lado, produtores de petróleo, como Arábia Saudita, Iraque, Irã, Kuwait, Rússia e China, que não querem regular nenhum tipo de produção.

De outro, a chamada Coalizão de Alta Ambição, liderada por Ruanda e Noruega, da qual faz parte também a União Europeia (UE), e que pede um “tratado ambicioso”, que promova a redução gradual na produção de certos plásticos e no uso de alguns aditivos químicos.

“Não vejo [o INC-5] como um fracasso, mas como um atraso. As expectativas já eram de que seria muito ambicioso tentar fechar um acordo por aqui [em Busan]”, avalia Carlos Silva Filho, conselheiro da ONU para gestão de resíduos.

“Foi possível avançar em alguns pontos, o que trouxe oxigênio para o processo. Mas os pontos mais controversos não tiveram nenhum avanço. O elefante continua no meio da sala, sem que ninguém consiga domá-lo.”

FERNANDA MENA / Folhapress

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