BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A defesa da Agropecuária Noirumbá, citada por lobistas em mensagens obtidas pela Polícia Federal como possível prejudicada em um suposto esquema de venda de sentenças no STJ (Superior Tribunal de Justiça), entrou com um recurso para tentar anular decisões contrárias à empresa que estão sob suspeita.
A medida foi tomada após o nome da agropecuária aparecer em diálogos entre o advogado Roberto Zampieri e o empresário Andreson de Oliveira Gonçalves, durante a operação Sisamnes da PF, deflagrada na terça-feira (26). Segundo a PF, Andreson atuou criminalmente em 12 processos no STJ.
Na peça obtida pela reportagem, a empresa pede que seja reconsiderada uma decisão do STJ em razão dos fatos novos que, segundo a defesa, confirmam “a indiscutível quebra da imparcialidade dos julgamentos havidos em segunda instância e corroboram para as nulidades processuais apontadas”.
A defesa também anexou reportagens publicadas na imprensa sobre a operação, com fatos que classificaram como de “extrema gravidade”.
Em uma das mensagens, Zampieri pergunta a Andreson se ele “consegue” a decisão da Noirumbá até sexta, ao que o empresário responde: “Já te ligo aí”. “Tô falando com DM.”
DM, segundo a polícia, seria uma referência a Daimler Alberto de Campos, então chefe de gabinete da ministra Isabel Galotti, do STJ.
O servidor também seria o tema de uma conversa entre os dois, em janeiro de 2020, quando citam cobranças de dinheiro que estariam sendo feitas por Daimler.
“Zamp, o Daimler me ligou agora perguntando dos R$ 50.000,00 que faltam daquele caso da Cátia lá né… e se tá tudo certo pra no dia 14 o cara pagar os outros 150. Como que tá isso aí? E no final do mês aqueles outros 250 seu hein, não esquece também não”, diz.
A Folha apurou que os investigadores entendem que as citações 150 e 250 se referiam aos valores de R$ 150 mil e R$ 250 mil.
As cobranças se repetiram no dia 8 daquele mês e em 7 de fevereiro, quando o nome de Daimler foi citado novamente em outro diálogo, também sobre cobrança de dinheiro.
Em 7 de outubro de 2021, Galotti proferiu uma decisão monocrática (de apenas um magistrado) contrária à empresa e a favor de um cliente de Zampieri, que disputava com a Noirumbá a propriedade de um terreno de 9 mil hectares em Mato Grosso. O próprio advogado também dizia ser dono de uma parte da área.
A ministra recusou os argumentos da empresa e manteve a posse do imóvel para Zampieri e seus clientes. Em 12 de fevereiro de 2021, Andreson encaminhou ao advogado o julgamento do recurso.
De acordo com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Cristiano Zanin, que autorizou a operação, movimentações processuais conferidas pela presidência do STJ confirmaram que, de fato, Daimler participou ativamente da tramitação interna de uma ação de reintegração de posse de Mato Grosso de relatoria de Galotti e de interesse dos investigados.
“Entendo que os indícios revelados até aqui se qualificam como suficientes para permitir o aprofundamento das investigações quanto ao narrado envolvimento de Daimler Alberto de Campos na empreitada criminosa”, afirmou Zanin.
O ministro também disse que as investigações “descortinaram” indícios de que lobistas estabeleceram uma rede de contatos com magistrados, assessores de ministros e integrantes dos tribunais de Justiça.
Segundo Zanin, o material revelou a atuação dos supostos envolvidos na compra e venda de sentenças e o acesso privilegiado a informações processuais sigilosas.
A operação da PF resultou na prisão preventiva de Andreson, autorizada por Zanin. Já Zampieri foi vítima de homicídio, em dezembro do ano passado, em Mato Grosso. Depois disso, o conteúdo de seu celular começou a ser analisado.
O caso também levou ao afastamento de dois desembargadores do Tribunal de Justiça do estado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O STJ ainda não se manifestou sobre o caso por se tratar de uma investigação que tramita sob sigilo no STF. Procurados por meio da assessoria do tribunal, Daimler e Galotti também ainda não se manifestaram, assim como a defesa de Andreson.
De acordo com o STF, não há, até o momento, elementos sobre o envolvimento de magistrados de tribunais superiores no caso. Zanin também determinou o afastamento de Daimler de suas funções no tribunal, na decisão de terça em que autorizou buscas da PF contra ele, além de um bloqueio de R$ 2 milhões.
No mês passado, em entrevista à Folha de S.Paulo, o presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, rejeitou classificar como crise o atual momento vivido pelo tribunal. Ele definiu o caso como “fatos isolados de poucos servidores que destoam da maioria dos integrantes da corte”.
Questionado sobre como impedir esse tipo de crime, ele disse: “Não é difícil saber, pela análise dos processos julgados de um determinado juiz, como uma determinada questão será decidida. Existem formas de negociação de sentenças. O criminoso vai a um cliente desesperado e diz que consegue que o juiz julgue favoravelmente, e a pessoa desesperada paga. Mas está pagando por uma decisão que já seria naquele sentido”.
CONSTANÇA REZENDE / Folhapress