BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma alta mais intensa de juros está em jogo na última reunião do Copom sob a presidência de Roberto Campos Neto, cujo mandato no Banco Central termina em 31 de dezembro. O mercado financeiro espera um aumento de 0,75 ponto percentual na taxa básica (Selic) nesta quarta-feira (11), e há quem veja possibilidade de uma elevação ainda mais agressiva.
No encontro anterior, em novembro, o colegiado do BC acelerou o ritmo com um ajuste de 0,5 ponto percentual, subindo a Selic para 11,25% ao ano. Naquele momento, havia expectativa de que o Copom pudesse repetir o passo em dezembro. Na visão do mercado, contudo, seguir com essa dose não condiz com a necessidade de um ciclo mais extenso apresentada hoje.
Nas últimas semanas, houve uma onda de revisões de cenário após a frustração dos agentes econômicos com o pacote de contenção de despesas apresentado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a disparada do dólar, que rompeu a barreira dos R$ 6, e a nova demonstração de força do PIB (Produto Interno Bruto).
Nesta quarta, Campos Neto preside a 46ª e última reunião do Copom sob sua gestão, que teve início em 2019. Ele esteve à frente do colegiado na decisão de levar a Selic ao piso histórico de 2% ao ano durante a pandemia de Covid e, posteriormente, no choque de juros mais forte desde a adoção do regime de metas para inflação, em 1999. A taxa básica ficou estacionada no patamar de 13,75% por um ano, entre agosto de 2022 e 2023.
Alvo de críticas do presidente Lula, Campos Neto transmitirá o comando do BC a Gabriel Galípolo -homem de confiança do chefe do Executivo- em meio a um ciclo de alta de juros, que se anuncia mais forte do que o previsto inicialmente pelo mercado. O novo presidente da autoridade monetária assumirá o posto em 1º de janeiro de 2025.
O Copom sinalizou, na ata do encontro passado, que uma piora adicional das expectativas de inflação poderia prolongar a alta de juros. O BofA (Bank of America) considera que esse cenário se materializou e passou a esperar uma Selic de 12% ao ano ao término de 2024 e de 13,75% no fim do ciclo (ante 13% na projeção anterior).
“A autoridade monetária provavelmente tentará atingir uma taxa terminal [mais alta] mais rapidamente, já que a economia está crescendo acima do seu potencial e o desemprego está em um nível historicamente baixo”, afirma em relatório a equipe liderada pelo chefe de economia para Brasil e estratégia para América Latina do BofA, David Beker.
Dados do PIB divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostraram que a economia brasileira cresceu 0,9% no terceiro trimestre e que a taxa de desemprego recuou a 6,2% no trimestre até outubro -menor patamar da série histórica da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), que teve início em 2012.
A revisão do BofA deve-se, entre outros fatores, à questão fiscal. Para o banco americano, em vez de ajudar a restabelecer a confiança do mercado quanto à trajetória da dívida pública, o pacote anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, deteriorou ainda mais as expectativas em relação à inflação e ao ajuste fiscal. “Tanto a magnitude das medidas quanto a composição decepcionaram as expectativas dos investidores”, diz.
O BTG Pactual ressalta que, além dos desafios fiscais no cenário doméstico, o ambiente econômico internacional se tornou mais adverso, influenciado pelas repercussões da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Diante disso, considera que o BC precisará reavaliar sua estratégia e ir mais longe na escalada de juros.
O banco prevê que a Selic atinja 14% ao ano ao término do ciclo de alta, contra uma estimativa anterior de 13,25%, permanecendo estável ao longo do ano que vem. Para esta quarta, espera aumento de 0,75 ponto percentual, mas não descarta completamente um cenário alternativo de elevação de 1 ponto.
“Nas circunstâncias atuais, alcançar a convergência da inflação para a meta até 2026 parece exigir taxas de juros ainda mais altas, a menos que ocorra uma desaceleração significativa (abrupta) na atividade econômica mitigando outros riscos”, diz em relatório a equipe de economistas liderada por Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro.
O economista-chefe da Porto Asset, Felipe Sichel, faz uma projeção mais conservadora do que seus pares do mercado e aposta em uma alta de 1 ponto percentual neste Copom. Ele também estima um ciclo de ajuste maior, com a Selic chegando a 14,25% em maio de 2025.
“Seria o mais consistente com a piora da inflação projetada no horizonte relevante [período em que o BC se propõe a cumprir a meta]”, diz. Em novembro, a estimativa de inflação do Copom para o 2º trimestre de 2026 estava em 3,6% -acima do alvo central de 3%.
Segundo Sichel, a maior cautela reflete a expectativa de um câmbio persistentemente mais desvalorizado e de riscos adicionais para a convergência da inflação à meta. Ele cita, entre outros fatores, o fortalecimento do dólar global mediante as promessas feitas por Trump, a economia doméstica aquecida e a repercussão negativa da dinâmica fiscal do país.
“Ser mais conservador significa, nesse momento, se colocar à frente do que está sendo precificado na curva de juros, ou seja, entregar um aperto monetário substancial”, afirma.
O economista Nelson Marconi, coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo, vinculado à FGV EAESP, diz não concordar com uma alta de 0,75 ponto percentual na Selic por já considerar “exagerado” o atual nível dos juros.
“Uma taxa de juro real nesse patamar é muito alta. O governo deveria fazer uma política fiscal menos expansionista. Com isso, abriria espaço para reduzir os juros”, afirma.
Ele defende ajustes em outras medidas para ajudar a reduzir a inflação, tirando peso da taxa de juros como instrumento de atuação do BC. “Seria necessário reduzir os mecanismos de indexação, aumentar a oferta de energia e retomar os estoques reguladores de alimentos”, diz.
Ele também é favorável à revisão para cima da meta de inflação, para 4%. Marconi é um dos autores de uma carta aberta ao CMN (Conselho Monetário Nacional), publicada na Folha de S.Paulo, na qual os economistas dizem que o alvo de 3% está se mostrando disfuncional.
NATHALIA GARCIA / Folhapress