SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A recorrência do sangramento intracraniano sofrido pelo presidente Lula (PT) pode aumentar as chances de novas hemorragias e demandar um tempo maior de recuperação, segundo neurologistas.
Por outro lado, o petista tem um bom prognóstico por ter tido acesso a uma boa equipe e não ter nenhuma alteração neurológica, afirmam.
Lula sentiu fortes dores de cabeça e, depois de exames feitos no Hospital Sírio-Libanês em Brasília, foi transferido para a unidade de São Paulo para uma cirurgia de emergência para drenagem do hematoma.
De acordo com o boletim médico, a hemorragia intracraniana está relacionada à queda sofrida por Lula no último dia 19 de outubro. Nesses casos, as chances de recorrência variam entre 15% e 20%, segundo a literatura médica.
Segundo seus médicos, Lula está estável, conversa e se alimenta normalmente e não há comprometimento cerebral. O hematoma diagnosticado no presidente é chamado de subdural crônico frontemporal.
“No crânio, depois do osso, a gente tem três membranas, que são as meninges. Esse hematoma está entre a primeira e a segunda. Ele está abaixo da dura mater, que é a camada mais espessa e mais próxima do osso. Ele tem um contato médio com o cérebro porque tem outras meninges protegendo [o cérebro]”, explica a neurocirurgiã Ana Gandoffi, coordenadora do setor de emergências neurológicas da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Segundo ela, a recorrência do sangramento, após um primeiro evento provocado por queda, não é incomum entre os idosos.
“O paciente mais idoso tem uma atrofia cerebral, naturalmente. A gente fica com um espaço um pouco maior. Mesmo pequenos traumas levam a microssangramentos, que vão crescendo naquele ambiente ao longo do tempo.”
Na avaliação de Gandoffi, baseada nas informações da equipe médica de Lula, a cirurgia feita no presidente é de menor porte e não está associada a inchaço no cérebro. “O hematoma tem um crescimento lento, o cérebro vai reacomodando. Ele não tem uma lesão neurológica do tecido cerebral, então, normalmente, é menos grave.”
Por ter sido operado sem nenhum tipo de alteração neurológica, as chances de sequelas são menores, segundo a médica. “Normalmente, é um paciente que evolui bem.”
A mesma avaliação tem José Oswaldo de Oliveira Júnior, neurocirurgião do Hospital do Servidor Estadual de São Paulo, com a ressalva de que não dá para garantir neste momento que o presidente está livre de novas intervenções ou sequelas.
“É um procedimento que não é de grande porte, geralmente está associado a uma boa evolução, mas não é possível garantir que não haja necessidade de uma reintervenção porque pode ter recidiva do crescimento [do hematoma] e aparecimento novamente [de sangramento] para você drenar mais tarde.”
Para o neurocirurgião Luiz Severo, as chances de sequelas ainda existem, e tudo vai depender de como será a evolução do presidente nos próximos dias e se haverá necessidade de outras abordagens, por exemplo, mais uma cirurgia para estancar um eventual novo sangramento.
“É preciso vigilância para o risco de epilepsia, riscos de novos sangramentos e de alterações cognitivas”, diz.
Segundo Severo, hematomas podem comprimir áreas importantes do cérebro, como da fala, da motricidade e das emoções, causando sequelas que incluem dificuldades motoras (fraqueza, por exemplo), problemas de fala, alterações cognitivas (como dificuldade de memória, concentração e raciocínio) e emocionais, como depressão e ansiedade.
“Algumas pessoas podem experimentar déficits cognitivos temporários, enquanto outras ter dificuldades de longo prazo. A reabilitação pode ser necessária para ajudar na recuperação das funções cognitivas.”
Também há chances de o paciente desenvolver quadro de epilepsia. “Não é à toa que sempre fazemos anticonvulsivante no pós-operatório em todos”, explica o médico.
Outro risco, diz o neurocirurgião, é a necessidade de novas intervenções cirúrgicas, aumentando riscos de mais lesão.
Por outro lado, pondera, a neurocirurgia está cada vez mais segura, com incisões menores e menor risco de lesões. “O presidente certamente teve acesso ao melhor e isso traz melhor prognóstico.”
Segundo Severo, esse novo sangramento pode demandar um tempo maior de recuperação. “Na primeira vez, ele ficou sob vigilância nas primeiras 48 horas do edema cerebral. Agora ele foi operado. Após uma craniotomia, a gente recomenda repouso de 15 a 30 dias, considerando que não tenha nenhum tipo de complicação.”
Em entrevista coletiva nesta terça-feira, a equipe médica de Lula disse que ele foi submetido a uma trepanação, que é uma pequena perfuração no crânio. Segundo afirmaram, o termo craniotomia, que constava de boletim médico inicial, costuma ser usado para intervenções maiores.
Na opinião do neurologista Oliveira Júnior, do Hospital do Servidor Estadual, além do repouso, é recomendável que Lula evite viagens nas próximas semanas, especialmente as aéreas.
“As viagens aéreas têm um risco por causa da variação da pressão. Normalmente, quando você fecha a porta de um avião, você pressuriza o ambiente, fica com uma pressão bem mais aumentada dentro do que fora. Só esse tipo de variação já pode não ser benéfica para o paciente”, afirma.
A depender da evolução do quadro clínico, o presidente também pode necessitar de um acompanhamento médico mais contínuo, na avaliação de Luiz Severo.
“Pode incluir consultas neurológicas regulares para monitorar a recuperação e identificar precocemente quaisquer complicações, fisioterapia, para ajudar na reabilitação motora, caso haja fraqueza ou problemas de coordenação, fonoaudiologia, se houver dificuldades de fala ou linguagem e avaliação psicológica, para lidar com questões emocionais e cognitivas.”
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress