SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Normas do governo Jair Bolsonaro (PL) permitiram que CACs (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador) montassem arsenais com um número ilimitado de armas em casa, diz especialista ouvido pelo UOL. Na segunda-feira (9), a polícia descobriu 152 armas de fogo escondidas em um bunker na casa de um CAC em São Paulo.
Nome do CAC não foi divulgado, mas a polícia informou que 87 armas não tinham documentação nenhuma. Outras 65 estavam regularizadas.
O governo Bolsonaro facilitou o acesso às armas, afirmou Roberto Uchôa, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Impossível adquirir [tantas armas] a não ser que seja colecionador”.
Antes do governo Lula (PT) endurecer a lei, em 2023, um CAC poderia ter um número ilimitado de armas. Um atirador poderia comprar 60 armas, mas se também tivesse o registro de caçador, poderia ter mais 30. Não havia limite de armas para um colecionador, desde que fossem no máximo cinco de mesmo modelo e calibre.
Na segunda, o CAC que mantinha as armas em um bunker foi preso por porte irregular de arma de fogo de uso restrito. O esconderijo foi descoberto quando agentes cumpriam um mandado de busca e apreensão na casa dele, no bairro Santo Amaro, em uma investigação contra o comércio ilegal de armas. Um vídeo mostra que a porta do bunker estava atrás do fundo falso de um guarda-roupa.
“Isso é apenas a evidência da loucura que a gente viveu durante o governo Bolsonaro, e não é o único caso. Várias pessoas tinham arsenais ou adquiriam para revender para criminosos.”
“Não é normal ter 65 armas de fogo. Isso deveria chamar atenção dentro do Exército [que é responsável pela fiscalização]. Não é só sobre a possibilidade de cometer atos ilícitos, mas dos CACs serem alvos de criminosos e das armas serem desviadas”, disse Roberto Uchôa, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em fevereiro, um empresário com registro de CAC teve a casa invadida na Penha, em São Paulo. Os ladrões abordaram o homem na porta de casa e o obrigaram a abrir um cofre, onde estavam seis fuzis e cinco pistolas. Eles levaram as armas, carregadores, lunetas para tiros à distância e um colete à prova de balas.
Oito meses depois, um CAC usou uma arma regularizada para matar o pai, o irmão e um agente da Brigada Militar em Novo Hamburgo (RS). Ele tinha histórico de esquizofrenia e as autoridades não souberam informar como Edson Crippa tinha posse das armas, já que o laudo psiquiátrico é necessário para a compra de armas.
Nesta semana, a polícia prendeu um CAC que fez disparos de uma cobertura em Pinheiros, um bairro de São Paulo. No apartamento de Marcelo Berlinck, foram encontrados um arsenal com fuzil, duas carabinas, granada e mais de 350 munições de diferentes calibres. Também foram apreendidos carregadores de fuzil, coletes à prova de balas e outras armas.
“Esses casos mostram como o trabalho [de fiscalização] deve ser proativo. Não podemos ficar esperando a próxima confusão ou desgraça para agir.”
“A violência armada é o grande problema do Brasil. Gastamos muito dinheiro combatendo o tráfico, mas não temos a mesma preocupação com armas. É através das armas que comunidades ficam reféns. Não basta regular o mercado legal, tem que regular o ilegal também”, disse Roberto Uchôa, membro do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
EXÉRCITO NÃO CONSEGUE FISCALIZAR CACS
Exército fiscalizou apenas 3% das pessoas com registro de CAC em 2022, apontou um levantamento do Instituto Sou da Paz. O número é o menor índice de fiscalização dos últimos quatro anos, enquanto o número de CACs dobrou no período.
Em 2023, o governo Lula determinou que a fiscalização seria papel da Polícia Federal, mas a mudança não foi colocada em prática por falta de investimento e agentes. Enquanto o Exército tem mais de 210 mil militares, a PF tem cerca de 14 mil agentes.
Troca é positiva, mas não é solução, diz especialista. “O Brasil historicamente trata o problema do controle de armas como algo secundário. Tirar a fiscalização do Exército para a Polícia Federal vai melhorar porque a PF é uma instituição civil, mais transparente, presta serviço de melhor qualidade, mas o controle de arma não é sua atividade-fim”, diz Uchôa.
Ele defende a criação de uma agência federal para fiscalizar o mercado de armas. “A indústria de armas é fortíssima no Brasil, somos o terceiro maior exportador de armas leves do mundo. A agência vai ter como objetivo controlar as armas de forma mais rígida, mesmo que não tenha tanto pessoal. Isso já acontece em outros países, inclusive na nossa vizinha Argentina”.
Uchôa cita um programa do governo, que paga para que cidadãos entreguem voluntariamente suas armas em troca de uma indenização, que gira entre R$ 150 e R$ 450. “O programa paga valores irrisórios, R$ 450 para entregar uma pistola de R$ 5 mil? Tem que fazer um programa mais robusto para adquirir armas legais e ilegais, mas com valores superiores. O governo tem que entender isso como um investimento, serão vidas poupadas e muitas dessas armas podem ser reutilizadas por forças de segurança”.
REGRAS FORAM ENDURECIDAS POR LULA
No governo Lula, as regras para a compra de armas ficaram mais restritas. Colecionadores agora podem ter até uma arma de cada modelo para coleção, de acordo com o decreto 11.615.
Quem comprou armas no governo Bolsonaro está sujeito às regra da época. Ou seja, quem já tinha as armas antes do novo decreto de Lula não precisa se desfazer delas.
THAÍS AUGUSTO / Folhapress