SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Exu, o mais sutil e astuto dos orixás, mensageiro entre o mundo dos homens e as divindades do candomblé, tem a rua como território. Não por acaso, ele se tornou o guardião da Fundação Casa de Jorge Amado, erguida em uma das encruzilhadas mais simbólicas da Bahia, o Largo do Pelourinho.
As casas 49 e 51, que se impõem no horizonte com suas fachadas em amarelo e azul, há 38 anos abrigam a sede da entidade. Nesta semana, ganham o reforço do casarão branco, número 47 da rua das Portas do Carmo, que se soma ao complexo responsável pelo acervo do escritor baiano.
O novo anexo consolida aquela que foi a maior reforma da Fundação Casa de Jorge Amado desde a sua criação. O espaço ganhou ares de museu, com a criação de novos espaços de exposição, mas também modernizou sua estrutura de arquivo, reforçando o seu papel de guardiã do acervo de Jorge.
A entidade foi constituída em julho de 1986 e inaugurada em março de 1987. Sua concepção se deu a partir do incentivo de amigos como a escritora Myriam Fraga, que foi gestora da entidade por 30 anos. Na época, Jorge Amado buscava uma forma de preservar seus arquivos para posteridade.
O acervo foi disputado por universidades estrangeiras, mas Amado pensava que o catálogo devia permanecer na Bahia. Optou por uma fundação privada, com gestão independente de governos, e sede no Pelourinho, cenário de personagens como Pedro Arcanjo, Dona Flor e Quincas Berro d’Água.
A Fundação Casa de Jorge Amado atualmente abriga cerca de 300 mil peças, incluindo documentos, fotografias e manuscritos dos livros. Entre eles estão as seis versões que ele escreveu até chegar ao ponto final de Tieta do Agreste.
Além de preservar os acervos, a entidade atua para incentivar pesquisas sobre a literatura da Bahia e valorizar o Centro Histórico de Salvador como espaço pulsante de cultura. Em seu calendário anual de eventos, destaca-se a Flipelô, Festa Literária Internacional do Pelourinho, realizada desde 2017.
“A ideia é fazer desta Casa, como preconizou Jorge Amado, um permanente centro, vivo e atuante, onde o sentido da vida da Bahia e de nosso povo esteja sempre presente”, afirma a diretora-executiva da fundação, Angela Fraga.
A reforma da sede custou cerca de R$ 2 milhões e foi financiada com recursos próprios e emendas da deputada federal Lídice da Mata (PSB). Foi iniciada em março e levou nove meses para ser concluída. Neste período, a fundação seguiu de portas abertas, recebendo turistas, pesquisadores e admiradores do escritor.
A área onde fica o acervo ganhou equipamentos modernos e arquivos deslizantes, que facilitam a pesquisa de documentos. A segurança foi reforçada com a um novo sistema anti-incêndio e de câmeras de videomonitoramento.
O prédio principal ganhou novas salas de exposição em formato multimídia, que contam a trajetória de Jorge Amado, sua produção literária e suas adaptações audiovisuais.
As áreas internas, antes brancas, ganharam cores: “Pintamos algumas paredes e a repercussão foi muito boa. A obra de Jorge Amado é muito colorida”, afirma Ticiano Martins, coordenador de projetos a fundação e um dos curadores dos espaços expositivos.
A esposa de Jorge e também escritora Zélia Gattai passou a ter um espaço exclusivo sobre sua vida e obra, assim como a poeta Myriam Fraga, que liderou a entidade por três décadas até sua morte, em 2016.
Uma sala foi criada para homenagear ilustradores, que tiveram papel importante na produção literária e relação visceral com Jorge Amado. São expostas ilustrações de artistas como Carybé, Calasans Neto, Iberê Camargo, Mário Cravo Júnior e Jenner Augusto.
A casa 47, recém-anexada ao complexo, vai abrigar a parte administrativa da fundação e uma sala com uma exposição permanente sobre Exu. Considerado guardião da casa, o orixá foi assentado no local pela ialorixá Mãe Stella de Oxóssi, que por 42 anos liderou o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.
O acervo é formado por telas que retratam o orixá doadas por artistas plásticos como Mário Cravo, Sante Scaldaferri e Juraci Dórea, além de artesãos que atuam no Pelourinho. Também há projeções criadas pelo VJ Gabiru.
A nova sede da Fundação foi aberta no dia 11. O evento teve apresentação do grupo As Ganhadeiras de Itapuã no Largo do Pelourinho, como parte da programação da primeira edição do Festival Uma Casa de Palavras.
O festival inclui apresentações musicais de Claudia Cunha e Gerônimo, além da feira gastronômica Merendas de Dona Flor, com quitutes presentes nos romances de Jorge Amado vendidos comerciantes do Pelourinho.
O projeto reforça a missão de atuar como um polo dinamizador do Centro Histórico, região que Jorge Amado definiu como coração da vida popular e parte mais poderosa e fascinante de Salvador.
“Toda a riqueza do baiano, em graça e civilização, e toda sua pobreza infinita, todo seu drama e toda sua magia nascem e estão presentes nessa antiga parte da cidade”, disse o escritor baiano.
FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO
Quando Seg. a sex., das 10h às 18h, e sáb., das 10h às 16h
Onde R. das Portas do Carmo, 49 a 51, largo do Pelourinho, Salvador
Ingressos R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) a partir de 16/12
JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress