BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A fila dos descontentes no Congresso Nacional com o aperto nas regras de acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) é puxada pela bancada de parlamentares do Nordeste.
Eles enxergam risco de aumento da pobreza e menos dinheiro na economia dos municípios da região com a retirada do benefício de pessoas que não se enquadrarem nas novas regras propostas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no pacote de ajuste fiscal.
Mesmo sendo um benefício de assistência social, o BPC funciona, na prática, como uma aposentadoria não contributiva para idosos de baixa renda acima de 65 anos. Pessoas com deficiência de qualquer idade em situação de vulnerabilidade também têm direito a receber o auxílio.
Cálculos da Rede Observatório do BPC, uma associação nacional de defesa das famílias que recebem o benefício, estimam que cerca de 720 mil idosos ou pessoas com deficiências terão alto risco de perderem o BPC: 229,69 mil no Nordeste; 282,61 mil no Sudeste; outras 55,23 mil no Norte; 60,72 mil no Centro-Oeste e 91,73 mil no Sul.
O alvo principal das críticas é o artigo 9º do projeto apresentado pelo governo, que revoga dois dispositivos da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social) e do Estatuto do Idoso. Esses dois pontos permitem hoje a exclusão da composição de renda familiar dos valores do BPC.
Com a proposta do governo, o BPC passa a entrar no cálculo da renda per capita, o que pode barrar o acúmulo de benefícios nas famílias que contam com mais de um beneficiário.
As mudanças nas regras do BPC são apontadas pelos especialistas como as mais duras do pacote do governo e, pela mobilização parlamentar dos últimas dias, as com mais chance de serem desidratadas.
Com base em dados do próprio governo, a Rede Observatório do BPC estima um corte de R$ 13,03 bilhões dos repasses aos municípios. Segundo o presidente da entidade, Vinicius Mariano, os dados foram encaminhados a todos os deputados.
Eles circularam no Congresso ao longo da semana, sem que houvesse mobilização dos governistas em defesa das medidas. Também não houve articulação do governo para explicar as mudanças no BPC. No anúncio do pacote, o governo estimou uma economia de R$ 12 bilhões até 2030 de despesas do benefício.
Enquanto isso, deputados e senadores de estados do Nordeste discutiam na última semana como seriam as propostas de alteração e quais pontos seriam atacados.
“O pai trabalha anos e anos e, em muitos casos, para sobrevivência. Quando chega a certa idade, a pessoa não merece sua aposentadoria? E se ela tiver um filho com direito [ao BPC]?”, questiona o coordenador da bancada do Piauí na Câmara dos Deputados, Florentino Neto (PT).
Ele também considera grave a inclusão de novos critérios para a classificação de deficiência. “Sabemos da necessidade e do tamanho desses benefícios nessas comunidades.”
Danilo Forte (União Brasil-CE) classificou como um “ataque aos mais vulneráveis” a proposta de restringir acesso ao benefício.
Segundo ele, dois em três aposentados do interior do Ceará dependem do BPC. “Se tiver dois na mesma casa, só fica um. Se for um casal de idosos, só fica um BPC. Se for um casal de idosos e um casal de crianças com deficiência, só fica um. O deputado do Ceará vai votar para acabar com isso?”, critica Forte, que vê risco de 50,12 mil pessoas no Ceará perderem o BPC.
No plenário, o deputado Valmir Assunção (PT-BA) defendeu o BPC como uma política fundamental para a redução da pobreza. “Não podemos aceitar que, em nome do ajuste, se dificulte o acesso.”
Do Ceará, Eunício Oliveira (MDB) usou sua conta da rede social X para dizer que o BPC é uma conquista a ser protegida. “Indispensável avançar no combate aos privilégios e na fiscalização de fraudes”, escreveu.
A oposição às mudanças vai além da bancada nordestina. Parlamentares do PT já se manifestaram em público ou reservadamente contra restrições ao BPC. Há uma avaliação de que o custo político de mexer em um benefício que atende os mais pobres torna inviável o apoio ao texto.
Patrus Ananias (PT-MG) diz contar com a revisão do texto pelo governo, de modo a preservar o direito e fortalecer a fiscalização.
Coronel Assis (União Brasil-MT) quer procurar o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), e propor um meio-termo. “Imagina você receber uma aposentadoria rural, que não é grande coisa em termos pecuniários. O BPC vem como um complemento. Não dá para mexer.”
As conversas por uma alteração na proposta do governo chegaram ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), que descartou apoiar mudanças na Casa, para onde o projeto vai depois de aprovado na Câmara. Nogueira é presidente nacional do PP e líder da minoria no Senado.
A federação PSOL-Rede também é contrária a mudanças no benefício e foi contra a aprovação de urgência para acelerar a tramitação do projeto na Câmara.
Na contramão dos críticos, o ex-presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Leonardo Rolim, avalia que a proposta apresentada pelo governo petista é corajosa e a mais importante do pacote.
“Não esperava do governo do PT uma medida tão corajosa em relação ao BPC “, diz. Segundo ele, a proposta ataca os principais problemas que têm levado ao aumento da concessão do BPC. “As medidas foram em cima dos problemas. Mas ele é cético sobre a viabilidade de aprovação pelo Congresso”, diz.
Pela proposta do governo, a renda do cônjuge ou companheiro, mesmo que não more com a pessoa, passará a contar para a liberação do benefício. Rendas de irmão, filhos e enteados, solteiros ou casados, também vão entrar no cálculo, desde que morem no mesmo lar que o requerente.
Na prática, o governo passaria a contabilizar a renda de mais pessoas, tornando mais fácil que o limite do critério seja superado –o que dificulta o acesso ao benefício.
O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, participou de um almoço organizado pela FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo) sobre o pacote e acenou com ajustes na medida, sem entrar em detalhes.
ADRIANA FERNANDES E FERNANDA BRIGATTI / Folhapress