(FOLHAPRESS) – O Pulp sempre foi uma anomalia dentro do britpop, a geração de bandas surgidas no Reino Unido no início dos anos 1990 e que revelou Oasis, Blur, Suede e muitas outras. Para começar, o Pulp foi formado ainda na época do punk, mais precisamente em 1978, em Sheffield.
Enquanto o britpop celebrava a Inglaterra jovem, mas com sons que bebiam em gêneros antigos -Oasis copiando Beatles e Kinks, Blur reencarnando as bandas de acid house de Manchester como o Stone Roses, Suede fazendo sua versão do glam rock à T-Rex- o Pulp parecia uma banda de tempos passados.
O vocalista não era um bonitão energético tipo Damon Albarn (Blur) ou Brett Anderson (Suede), mas um nerd desengonçado e de óculos chamado Jarvis Cocker, que mais lembrava Elvis Costello. A música trazia elementos das batidas sintéticas da discoteca e new wave e se encaixava muito mais no estilo do pós-punk inglês de Echo and the Bunnymen do que na sonoridade festiva do britpop.
Lendo “Good Pop, Bad Pop – Um Inventário”, autobiografia de Jarvis Cocker, dá para entender de onde o Pulp surgiu e o que moldou a estética e sonoridade da banda. O livro acaba de sair no Brasil em edição caprichada pela Editora Terreno Estranho, que vem se destacando por lançamentos de livros musicais de Nick Cave, Fabio Massari e Mark Lanegan. A tradução é excelente e foi feita pelo autor e músico Daniel de Mesquita Benevides.
Jarvis Cocker nasceu em 1963 e é quatro a sete anos mais velho que a turma de Blur, Oasis e Suede. Hoje essa diferença não importa muito, mas, no fim dos anos 1970, enquanto os britpoppers eram adolescentes, Cocker já estava indo a shows e vendo bandas do punk e pós-punk, moldando seu visual nos óculos de aros grossos de Elvis Costello e na cabeleira desgrenhada de Ian McCulloch, cantor do Echo and the Bunnymen.
As noites em discotecas e salões de baile em Sheffield impregnaram o rapaz com um amor eterno pelas batidas dançantes de Giorgio Moroder e Donna Summer e pela eletrônica do Cabaret Voltaire, seus conterrâneos de Sheffield.
“Good Pop, Bad Pop” tem uma estrutura interessante. O livro relata a experiência de Jarvis Cocker visitando um velho sótão da família em Sheffield, olhando pilhas e pilhas de velhos objetos pessoais e decidindo se os descarta ou não. São incontáveis brinquedos, roupas, cadernos, diários, gomas de mascar e sabonetes ainda na embalagem, que servem para Cocker lembrar passagens de sua infância e adolescência.
O que fica claro, desde o início da leitura, é que Jarvis Cocker é um sujeito metódico. Desde os 13 anos de idade, sabia exatamente que banda queria ter. Escolheu o nome -Pulp- a sonoridade e o visual dos integrantes, como fica provado por anotações feitas num velho caderno de escola.
Cada item encontrado no verdadeiro “brechó” da família Cocker desperta lembranças: um brinquedo de astronautas inspira Jarvis a escrever um lindo capítulo sobre a obsessão com a exploração espacial (tinha seis anos quando o homem chegou à Lua) e o choque de assistir a “2001”, de Stanley Kubrick.
No meio das pilhas de velharias, ele encontra um suéter quadriculado, que pediu à mãe de presente porque parecia um usado por Mark E. Smith, cantor do The Fall, a quem Cocker idolatrava. Ele conta como convenceu a irmã, Saskia, a acompanhá-lo a um show do Fall.
“Ela detestou”, escreve o autor. “Para ela, ‘aquilo nem era música’. Embora eu tenha discordado veementemente, conseguir ver lógica no que ela dizia. O Fall levou a sério o desafio do punk de inventar algo realmente novo. No caso, isso significava questionar a própria noção do que era música. Tinha de estar no andamento? Os instrumentos precisavam estar afinados? O ‘vocalista’ tinha de saber cantar?”
Outro ídolo de Jarvis era John Peel (1939-2004), o radialista que, desde o fim dos anos 1960, moldou o gosto musical dos britânicos com seus programas na BBC Radio One. No livro, Cocker mostra o ingresso para um show de discotecagem de Peel num teatro em Sheffield, realizado em setembro de 1981, um evento que mudaria para sempre a vida do Pulp.
Naquela noite, Jarvis, então prestes a completar 18 anos, deu a Peel uma fita demo da banda. Peel gostou do que ouviu e convidou o Pulp para tocar ao vivo na BBC Radio One, a primeira exposição nacional da banda.
“Good Pop, Bad Pop” não é uma típica autobiografia de rockstar, narrada em ordem cronológica e repleta de histórias picantes, até porque Jarvis Cocker não é um típico rockstar. Não espere revelações bombásticas sobre sexo, drogas e rock’n’roll, porque esse não é o estilo dele.
Em vez disso, temos reflexões interessantes sobre as pessoas que Cocker encontrou pelo caminho -Leonard Cohen, Marina Abramovic, o produtor musical Steve Albini- escritas numa linguagem sempre instigante. E temos a vida de um menino que, desde adolescente, teve uma visão sobre a banda que queria ter -e realizou esse sonho nos mínimos detalhes.
GOOD POP, BAD POP: UM INVENTÁRIO
Avaliação Ótimo
Preço R$ 135 (368 págs.)
Autoria Jarvis Cocker
Editora Terreno Estranho
Tradução Daniel de Mesquita Benevides
ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress