Uso de localização de celular cresce em processos trabalhistas, mas tem resistência

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No começo de dezembro (6), um trabalhador foi condenado a pagar multas por má-fé e ato atentatório à Justiça, após o juiz entender que ele mentiu sobre marcações de horas extras. Para fundamentar a decisão, o magistrado utilizou dados de geolocalização obtidos através de operadoras de celular e do Google.

À reportagem juristas afirmam que a medida tem-se tornado cada vez mais comum em casos em que há conflitos de versões entre trabalhador e empresa. Entretanto, advertem que o uso dos dados precisa ser proporcional, para que não haja infração à privacidade.

Para Chiara de Teffe, professora de Direito Civil e Direito e Tecnologia no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), a geolocalização pode ser útil em casos específicos. Por exemplo, quando o trabalhador exige na Justiça o pagamento de horas extras, a empresa pode solicitar os dados de operadoras ou Google. “É uma forma de chegar a um dado mais objetivo”, diz.

Cabe ao juiz definir se o pedido é válido ou não.

De acordo com o artigo 74 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), empresas com mais de 20 trabalhadores são obrigadas a registrar a hora de entrada e de saída, em registro manual, mecânico ou eletrônico, de seus funcionários.

A regra, entretanto, não vale para todas as profissões. No artigo 62 da mesma lei, funcionários que exercem atividades externas, gerentes, diretores e chefes, além de trabalhadores em regime de trabalho remoto, não precisam ter acompanhamento de jornada.

Segundo Fabio Chong de Lima, sócio na L.O.Baptista Advogados e especialista em direito e relações de trabalho, o uso de dados de geolocalização é mais frequente em processos que envolvem profissionais que trabalham fora de escritórios.

“É o caso do vendedor que fica fora do ambiente de trabalho o dia todo, não tem controle de horário e fala que trabalhava até as 22h. A empresa pede que esses dados sejam levantados”, diz.

Fora as exceções definidas pela CLT, a empresa, em regra, deve acompanhar a carga horária de seus funcionários. “Se a empresa pedir dados de geolocalização de outros profissionais, o juiz pode entender que não é pertinente, porque ela deveria ter controle e não tem”, afirma Fabio.

Para Pedro Saliba, advogado e pesquisador na Associação Data Privacy Brasil, informações de operadoras de celular ou do Google não deveriam ser utilizadas. “Os dados, coletados através de aplicativos ou redes sociais, são de uso privado. Um aparelho corporativo é diferente, porque pertence à empresa e pode ter registro de ponto digital”, afirma.

Ele também destaca que as empresas têm acesso a diferentes formas de controle, e que optar por dados de geolocalização é um equívoco. “As empresas podem utilizar aplicativos de registro de ponto, inclusive para funcionários que trabalham viajando. [O uso de dados de geolocalização] é desproporcional porque não foi coletado com essa finalidade”.

Para ele, se os métodos adotados pelas empresas não estão sendo suficientes para determinar a carga horária dos empregados, é necessário aprimorar essas tecnologias. “O caminho não é coletar mais dados de funcionários. O ônus da coleta e do tratamento sai das empresas e passa para as operadoras. Nesse caso, a empresa não assume a responsabilidade que é dela”, afirma.

TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO É FAVORÁVEL AO RECURSO

Em maio, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) validou a geolocalização como prova da jornada de um bancário. A decisão cassou uma liminar que impedia que o Santander utilizasse o recurso para comprovar a jornada de um profissional -ele pedia o pagamento de horas extras.

Segundo o colegiado, a prova é adequada, necessária e proporcional e não viola o sigilo de comunicação garantido pela Constituição Federal de 1988. A prova ficará limitada aos horários alegados pelo trabalhador.

Ainda, segundo o relator, a produção de prova digital é amparada por diversos ordenamentos jurídicos, tanto de tribunais internacionais como por leis brasileiras, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), a Lei de Acesso à Informação e o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965), que possibilitam o acesso a dados pessoais.

Na LGPD, o artigo 7 prevê que dados pessoais sejam utilizados “para o exercício regular de direitos em processos judiciais”. O Marco Civil, por sua vez, define, no artigo 22, que é possível que o juiz ordene ao responsável o fornecimento de “registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet”. Nenhum dos artigos especificam que dados de geolocalização possam ser compartilhados.

Para a advogada Chiara de Teffe, a ideia é que a geolocalização traga um pouco mais de justiça ao caso. “Não é o acolhimento de uma tese da empresa. Se o empregado de fato estava onde disse que estava, ele vai ser indenizado”, afirma.

Segundo ela, pedir dados relacionados à localização do profissional é algo excepcional. “É feito num processo judicial com todas as garantias de defesa ao empregado. Está ocorrendo porque um juiz entendeu como razoável. É um benefício tecnológico”, diz.

Questionada sobre o tema, a Conexis Brasil Digital, associação que representa Claro, Oi, Tim, Vivo, entre outras, respondeu que “as empresas associadas cumprem as determinações judiciais”. O Google também foi procurado, mas não respondeu até a publicação deste texto.

MATHEUS DOS SANTOS / Folhapress

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