SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Análises estatísticas indicam que diversas espécies de baleias são capazes de ultrapassar rotineiramente os 130 anos de vida, embora a presença dessas supercentenárias na população dos animais tenha caído drasticamente por causa da caça predatória no século 20.
De acordo com os cálculos publicados nesta sexta-feira (20) por um trio de cientistas na revista especializada Science Advances, cerca de 10% dos indivíduos da espécie Eubalaena australis (a baleia-franca-do-sul, que aparece com frequência na costa de Santa Catarina) poderiam ultrapassar essa idade. É uma proporção muito superior à de centenários na população humana -mesmo no Japão, país famoso pela longevidade de seus habitantes, as pessoas com mais de cem anos não chegam a 0,1% do total.
Há boas razões para acreditar que outras espécies do gênero Eubalaena, assim como baleias de parentesco mais distante com ele, também podem se tornar supercentenárias com relativa facilidade. Isso, é claro, desde que os impactos causados por seres humanos não atrapalhem o ciclo de vida desses grandes cetáceos.
As conclusões publicadas na Science Advances são fruto do trabalho de Greg Breed, da Universidade do Alaska, Els Vermeulen, da Universidade de Pretória (África do Sul), e Peter Corkeron, da Universidade Griffith (Austrália). Eles usaram dados de monitoramentos populacionais da baleia-franca-do-sul e de sua parenta próxima do Atlântico Norte, a E. glacialis, que são coletados desde os anos 1970 e permitem a identificação individual dos cetáceos.
Uma série de pistas obtidas por outros meios já indicava que as baleias têm uma longevidade natural impressionante para os padrões humanos. Algumas baleias capturadas recentemente na caça de subsistência, permitida para algumas populações indígenas do Ártico, carregavam em suas camadas de gordura arpões explosivos que tinham parado de ser fabricados nos anos 1880, por exemplo.
Ou seja, mesmo que o uso das armas de caça (por sorte, ineficaz naqueles casos) tivesse acontecido algumas décadas depois de sua fabricação, ainda assim isso sugeria fortemente que o animal era um supercentenário.
Além disso, outras baleias caçadas nas últimas décadas forneceram dados razoavelmente objetivos sobre sua idade. Um desses métodos é curiosíssimo: a análise de “tampões” formado pelo acúmulo da cera de ouvido nos animais.
Baleias, é claro, não têm dedos funcionais nem usam cotonetes, o que significa que a cera vai se empilhando em seus ouvidos. E as camadas do material vão formando padrões alternados de um ano para outro, o que significa que basta saber contá-los para estimar a idade do bicho. Segundo essa medida e outras parecidas, baleias-azuis e baleias-fin capturadas por baleeiros japoneses também já tinham passado dos 110 anos de idade.
O problema de quase todas essas medidas, no entanto, é que elas dependem de uma amostragem destrutiva, que envolve a morte dos animais (o que ocorria por meio da caça, comercial ou tradicional). Mesmo no caso de baleias que morrem encalhadas acidentalmente, é preciso obter as amostras muito rapidamente, antes que elas se degradem com o início da decomposição.
Além disso, quase todas as populações de baleias do planeta chegaram perto de ser exterminadas durante a caça comercial em grande escala dos séculos 19 e 20, que se estendeu até o começo dos anos 1980. Isso significa que a chance de estimar a verdadeira presença de cetáceos supercentenários numa população natural diminui muito, até porque os indivíduos mais velhos provavelmente eram os maiores e mais visados pelos baleeiros.
Para driblar essas limitações estatisticamente, os pesquisadores usaram os dados dos censos populacionais de baleias-francas, montando uma curva que corresponde à taxa em que indivíduos conhecidos e acompanhados pelos cientistas vão desaparecendo da população. Como o total de baleias daquela população é conhecido, ao menos levando em conta os avistamentos anuais dos bichos, a curva permite estimar a probabilidade de que determinado indivíduo morra ao longo do tempo.
Levando tudo isso em conta, os cientistas concluíram que a mediana do tempo de vida das baleias-francas-do-sul é de 74 anos. Mediana não é a mesma coisa que a idade média no momento da morte. Corresponde, na verdade, à idade que a maioria dos indivíduos da população tem quando morre. E, ainda considerando a curva de sobrevivência, espera-se que 10% das baleias ultrapassam os 132 anos de idade (com um intervalo de confiança, ou “margem de erro”, entre 111 anos e 159 anos).
Os pesquisadores destacam ainda que cetáceos do grupo dos golfinhos, parentes relativamente distantes das grandes baleias, também podem atingir idades supercentenárias. É o caso dos narvais, famosos por seu “chifre de unicórnio” (na verdade um dente supercrescido) e as carismáticas e branquíssimas belugas, que costumam ser estrelas de grandes aquários mundo afora.
REINALDO JOSÉ LOPES / Folhapress