RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O cenário na praia do Leblon, na altura da rua Afrânio de Melo Franco, é típico de um dia ensolarado na zona sul do Rio de Janeiro: cariocas e turistas aproveitam a água convidativa e, muitas vezes, cristalina. Mas por trás da aparência limpa, um dado surpreende a maioria dos banhistas: a balneabilidade no trecho é ruim, segundo levantamento da Folha.
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“A água aqui costuma ser clara, a gente nem imagina que está poluída”, afirmou Márcio Gonçalves, 42, frequentador assíduo da praia. Ele entrou no mar com os filhos pela manhã, sem saber da classificação negativa do local. “Isso preocupa. Vimos o mar bonito e acreditamos que estava tudo bem”, disse.
Segundo o Inea (Instituto Estadual do Ambiente), a balneabilidade da praia do Leblon nos três pontos de medição é considerada entre ruim e péssima desde 2016. A análise indica ainda que a qualidade da água no trecho da rua Afrânio de Melo Franco permanece entre as piores da cidade ao longo dos últimos anos.
O cenário fica mais alarmante de 2019 a 2022, quando foi classificada péssima de forma consecutiva.
De acordo com critérios da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), adotados pela Folha, uma praia é considerada ruim quando é indicada como imprópria entre 25% e 50% do tempo na avaliação anual, e a péssima, quando em mais da metade das medições.
O oceanógrafo da UERJ David Zee afirma que a pior fonte de contaminação são os canais e rios canalizados e encobertos pelas ruas e calçamentos que recebem esgotos de redes antigas.
“Tudo que é subterrâneo e não visto não tem o devido cuidado de manutenção e recuperação. Imagina uma rede de esgoto dimensionada e construída 50 anos atrás em uma cidade que só cresce e se adensa. Ela não é redimensionada para áreas que antes eram de casas e agora são de edifícios de mais de 15 andares”, disse ele.
“No Leblon, temos o canal do Jardim de Alah de um lado e o canal da Visconde de Albuquerque do outro, que extravazam um bom volume de esgotos clandestinos, que contaminam as águas da praia.”
O Inea reconhece que o trecho da rua Afrânio de Melo Franco é o mais prejudicado por estar próximo a foz do canal do Jardim de Alah, onde ocorre a troca de água entre o mar e a lagoa Rodrigo de Freitas.
“Por isso obtemos resultados acima da média permitida. Porém, após a concessão do saneamento, verificamos a melhora nos níveis bacteriológicos nesse trecho, e a expectativa é para que num breve futuro, esse resultado seja melhor”, afirmou o órgão.
Apesar dos indicadores, banhistas continuam a frequentar o mar, muitas vezes iludidos pela aparência cristalina, especialmente após dias de tempo seco.
“Quando não chove, as águas parecem limpas e atraem mais gente”, disse Fernanda Oliveira, 28, carioca que aproveita a praia com amigos. “É realmente uma surpresa ruim saber disso, uma pena.”, lamentou.
Para a especialista em gestão de saúde pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Chrystina Barros uma praia imprópria para o banho é uma questão de saúde pública.
“A gente está falando desde contaminação de problemas de pele, hepatite A, leptospirose, uma série de doenças que podem vir com essa exposição. Principalmente se a gente falar de pessoas que têm alguma vulnerabilidade, crianças, pessoas com alguma deficiência imunológica”, afirmou.
“Se existe uma praia que chega a ponto de estar contaminada e imprópria para banho. A gente está falando de um sistema de esgotamento sanitário que não está funcionando, e impacta a saúde, o meio ambiente, o potencial turístico”, completou.
Além do Leblon, outras praias icônicas do Rio também sofrem com o problema, como Botafogo, que apresenta níveis péssimos em ambos os trechos analisados, e Flamengo, onde houve leve melhora em 2024, com uma classificação regular.
A reportagem seguiu normas federais no levantamento. Um trecho é considerado próprio se não tiver registrado mais de 1.000 coliformes fecais para cada 100 ml de água na semana de análise e nas quatro anteriores.
Para a avaliação anual, foi adotado o método da Cetesb, que classifica as praias a partir dos testes semanais. Nos dois extremos estão as boas, próprias em todas as medições, e as péssimas, impróprias em mais da metade das medições.
ALÉXIA SOUSA / Folhapress