RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Quando havia um evento cultural no Rio premiações de cinema ou de teatro, principalmente, era quase certo que Ney Latorraca seria uma das primeiras pessoas a chegar. “Assim os fotógrafos me pegam com calma, fazem fotos boas. Não fica aquela correria”, explicou, certa vez.
Ney gostava de ver sua foto estampada no jornal e nas revistas. Analógico (ma non troppo), curtia também matéria em sites, mas era no papel que ele gostava mesmo de aparecer. Não raro, enviava por WhatsApp opções de fotos que achava boas para ajudar a ilustrar uma futura reportagem.
O WhatsApp era um meio de comunicação que o ator, morto aos 80 anos, na manhã desta quinta-feira (26), de sepse pulmonar, utilizava com frequência. Emojis, muitos emojis acompanhavam suas mensagens (ele usava bastante as mãos em prece). Mas falar pelo telefone, fixo ou o celular … Aí era um caso sério.
“Amo um telefone. Gosto de ouvir a voz das pessoas. Todo dia antes de dormir anoto o nome de uns três amigos para eu ligar no dia seguinte. Recentemente falei com Miguel Falabella, Maria Padilha, Marcos Nanini, Fernanda Montenegro Eles atendem e eu falo: ‘Liguei pra dizer que estou com saudades ’. Todo mundo gosta disso”, contou, durante o período mais duro do confinamento por causa da pandemia.
O isolamento em seu apartamento, na Lagoa, zona sul do Rio (que ele deixou em testamento para ser doado a uma instituição de caridade) o obrigou a suspender suas caminhadas diárias em torno do espelho d’água, um dos cartões postais da cidade. Ney andava bastante por ali. Por prazer, para cuidar da saúde, e também para encontrar o grupo de capivaras que mora na área. “São minhas amigas”, dizia, muitas vezes mostrando fotos recentes de algumas delas.
Na pandemia, ficou em casa e mesmo assim, sempre de máscara. Passava os dias vendo jogos de vôlei e futebol na TV, telefonando para os amigos e andando de um lado para o outro, para se exercitar. De vez em quando, dava um mergulho na piscina. “Sou grupo de risco, meu amor. Fico aqui no meu apartamento numa boa”, diz.
Para não ficar parado, à toa, chegava a dar cinco mil passos todos os dias dentro de casa. Usava um aplicativo do celular para fazer a contagem e concluiu que era o equivalente a uma caminhada de 3,5 quilômetros. “O que é metade de uma volta na Lagoa”, concluiu.
Politicamente, contava que levantou algumas bandeiras, e se orgulhava delas. Mas não de todas. Esteve presente no levante dos artistas pelas Diretas, fez peças transgressoras de Plinio Marcos durante a ditadura, mas… “fiz campanha pelo Aécio, né?”, ponderou.
“Fui para Belo Horizonte e conheci um espaço cultural criado pela irmã dele, fiquei encantado. Eu vi aquilo e pensei: ‘Essas pessoas são maravilhosas, sérias’. Aí vieram aquelas bombas. Pensa em como eu fiquei. Mas não tenho o dom de adivinhar. Essa bandeira eu me arrependo de ter levantado. Também fiz parte do “Morobloco” (grupo de artistas que apoiava publicamente o então juiz Sérgio Moro, na época do impeachment de Dilma Rousseff). Me arrependi de novo. Mas sempre fui tucano”.
CLEO GUIMARÃES / Folhapress