Europa diz que defenderá fronteiras após Trump ameaçar Groenlândia

BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – O ministro de Relações Exteriores da França, Jean-Noël Barrot, afirmou nesta quarta-feira (8) que a Europa não permitirá “ataques a suas fronteiras soberanas” um dia depois de Donald Trump se recusar a descartar uma ação militar na Groenlândia. Quase na mesma hora, um porta-voz do governo alemão declarou em Berlim que “mover fronteiras pela força” contraria princípios e regras da política internacional.

O próprio Olaf Scholz, momentos depois, repetiu o assessor, ao fazer um pronunciamento que não estava na agenda no dia. “Em minhas discussões com nossos parceiros europeus, surgiu uma certa falta de compreensão em relação às recentes declarações dos EUA”, disse o primeiro-ministro alemão, sem citar, no entanto, o nome de Trump.

Também Antony Blinken, secretário de Estado dos EUA, afirmou que a ideia da anexação “não era boa” e “obviamente não vai acontecer”. Em Paris, o chefe da diplomacia americana cumpre os últimos compromissos da gestão Joe Biden.

Trump, que toma posse para seu segundo mandato no dia 20, havia dito que o território autônomo, há 600 anos parte da Dinamarca, é vital para a segurança dos EUA, assim como o Canal do Panamá. “Não, não posso garantir [que não usaria coerção militar ou econômica]… Mas posso dizer o seguinte: precisamos deles para a segurança econômica.”

No mesmo dia, seu filho, Donald Trump Jr., fazia uma “visita privada” à ilha.

A retórica da “Rambopolitik”, como descreveu uma jornalista alemã, inclui também o Canadá e parte da constatação dos estrategistas de Trump de que essas áreas, sujeitas à crise climática, ganharam ainda mais peso na geopolítica dos EUA. A seca prejudica a passagem de navios de grande calado no Panamá, e o derretimento do gelo no Ártico propicia novas rotas e explorações comerciais e militares.

A movimentação carrega uma dose de ironia, já que Trump posa como negacionista do aquecimento global e promete reverter boa parte das políticas ambientais e de transição energética de Biden.

“Obviamente, não há dúvida de que a UE não permitirá que outras nações do mundo, sejam elas quais forem, a começar pela Rússia, ataquem suas fronteiras soberanas”, disse Barrot à Rádio France, quando perguntado sobre o assunto. “Somos um continente forte, precisamos nos fortalecer ainda mais.”

A maior ilha do mundo, na verdade, não faz parte da União Europeia, mas é território dinamarquês, com presença militar americana desde o fim da Segunda Guerra. Porta-voz da Comissão Europeia, porém, confirmou que uma cláusula de proteção mútua do bloco poderia ser acionada caso a Groenlândia seja invadida. “Esse é um cenário extremamente teórico, não há como compará-lo com a Ucrânia”, declarou o assessor. O tom relutante da Comissão, presidida por Ursula von der Leyen, que tem bom trânsito com Trump, mereceu críticas da imprensa no continente.

Leis ambientais impedem a exploração de petróleo e de certos tipos de minérios na Groenlândia, mas seu subsolo é rico em materiais de importância estratégica, como “terras raras” e lítio. Esse seria um dos fatores a impulsionar a investida atual de Trump —em 2019, em seu primeiro mandato, ele já havia sugerido comprar o território.

O interesse americano também alimenta o movimento separatista na ilha, que ganhou autonomia em 2009, mas depende em quase tudo de Copenhague. A economia gira em torno da pesca, insuficiente para manter a população, de 57 mil pessoas. A Dinamarca, apesar da importância estratégica do território, gasta anualmente menos de US$ 1 bilhão com a região, cerca de metade do orçamento público local.

A premiê dinamarquesa, Mette Frederiksen, que há cinco anos chamou de “absurda” a oferta de compra, desta vez foi mais diplomática. “Precisamos de cooperação próxima com os americanos”, disse, ponderando que a ilha pertence a seus próprios habitantes. “Só a Groenlândia pode determinar o futuro da Groenlândia.”

Lars Rasmussen, o ministro de Relações Exteriores, seguiu a linha da chefe. “Reconhecemos plenamente que a Groenlândia tem suas próprias ambições. Elas dificilmente incluem se tornar um estado americano”, afirmou o chanceler. Ele não descartou, porém, ampliar o diálogo sobre segurança com o aliado de décadas.

Nesta quarta-feira (8), Múte Egede, primeiro-ministro do território, se encontrou com o rei Frederik, que recentemente alterou o brasão da família real dinamarquesa para contemplar a Groenlândia e as Ilhas Färoe. O novo design surgiu no mesmo momento em que a retórica sobre a ilha foi retomada por Trump.

A propalada anexação da Groenlândia aumenta a lista de pendências da UE gerada pela volta do empresário à Casa Branca. Também na terça-feira (7), Trump instou os países europeus a aumentar seu orçamento militar, para 5% do PIB, como condicionante para sua permanência na Otan, a aliança militar ocidental. A declaração foi tomada como chantagem por políticos europeus, notadamente os que defendem o apoio à Ucrânia contra a invasão russa.

O presidente americano também havia prometido aumentar tarifas de importação de diversos produtos, o que afeta particularmente a Alemanha.

Outro flanco de preocupação são as seguidas tentativas de interferência de Elon Musk na política europeia nos últimos dias. Além de bater boca com Keir Starmer, primeiro-ministro britânico, o bilionário faz campanha aberta pela partido de extrema direita nas eleições alemãs, que acontecem em fevereiro.

Observadores afirmam que o empresário dificilmente manteria sua ofensiva autoritária sobre o continente se isso não estivesse também na agenda de Trump. Musk, além de ter sido o maior doador de sua campanha, será integrante do governo, responsável por programa de eficiência da gestão.

Ecoando as críticas a Musk feitas nesta semana por Emmanuel Macron, Barrot afirmou que a União Europeia tem “os instrumentos necessários” para derrubar o X no continente, se isso for necessário. A pergunta ao ministro francês usava como exemplo a suspensão da rede social no Brasil, no ano passado.

Na Espanha, Pedro Sánchez se juntoo ao grupo, afirmando que Musk está “atacando nossas instituições, incitando o ódio e conclamando abertamente as pessoas a apoiarem os herdeiros do nazismo”. O primeiro-ministro participava de evento sobre os 50 anos da redemocratização do país, após a morte do ditador Francisco Franco, que serão celebrados em novembro.

Redação / Folhapress

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