Maduro deve tomar posse e incrustar ditadura por mais seis anos na Venezuela

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Um artigo de opinião de Luz Mely Reyes, cofundadora do Efecto Cocuyo, um dos poucos meios digitais que ainda sobrevive no asfixiante ambiente para a imprensa em Caracas, resume assim o clima para esta sexta-feira (10), o dia da posse de Nicolás Maduro: “Algo acontecerá na Venezuela. Ou pode ser que não aconteça muita coisa.”

Parece irônico, mas não é. Demonstrações de apoio militar dadas pelo regime e, por outro lado, afirmações da oposição de que enviará o exilado Edmundo González para ser empossado criaram um ambiente de grande expectativa de que muito, ou nada, pode acontecer.

Os eventos envolvendo a líder opositora María Corina Machado na véspera adicionaram ainda mais incerteza. A ex-deputada afirma ter sido detida por agentes oficiais e depois solta. O regime nega.

Não há pistas de como González faria para entrar em um país com altos controles de segurança e que tem afirmado, repetidamente, que o prenderá. Ele está hoje na República Dominicana, de onde afirma que partirá junto com outros ex-presidentes da região rumo à Venezuela.

A ditadura chavista compartilhou poucos detalhes sobre a posse. Jorge Rodríguez, um dos principais nomes do chavismo, que foi chefe de campanha de Maduro e hoje é presidente do Legislativo, disse que a cerimônia ocorrerá ao meio-dia (13h em Brasília).

Ao longo de toda esta quinta-feira (9) as principais praças e ruas do país estavam repletas de homens em motos enviados pelo regime. São os chamados “coletivos”, civis que com aval do chavismo atuam como espécie de forças de segurança. É uma prática para espraiar medo entre aqueles que pensaram em ir às ruas e dispersar manifestações.

A oposição marcou atos para o dia que antecedeu a posse. Mas a participação foi encolhida em comparação com os protestos que antecederam a eleição e reuniram multidões, seja por medo da repressão ou por queda na capacidade de mobilização dos opositores.

Nos dias que antecederam a posse, voltou a crescer o número de prisões políticas de opositores. Apenas nesta semana, foram relatadas 18 detenções do tipo, segundo informa a respeitada ONG Foro Penal, sendo uma delas a de um genro de Edmundo González, Rafael Tudares Bracho, sobre quem não se tem informações.

Os mais comedidos da aliança opositora não acreditam que algum movimento será capaz de encerrar a ditadura neste 10 de janeiro. Mas dizem que se trata de uma data, no mais estabelecida pela Constituição, que marca um antes e um depois na história do país.

“A estratégia tem que ser a de mostrar que se instaurou de vez a ilegalidade no país”, diz Milos Alcalay, ex-embaixador venezuelano no Brasil. “Há um governo ilegal que não ganhou nas urnas”, continua ele. O dilema é fazer a retórica se transformar em ação.

As lideranças opositoras, María Corina Machado e Edmundo González, têm insistindo em chamar policiais e militares, parte importante da base que sustenta o chavismo, a se unirem a eles. “É uma escolha entre ser um tirano ou um herói”, disse a opositora nesta semana.

Um aliado próximo seu diz que o forte chamado às Forças Armadas é a única saída e que, se não se pode romper com o alinhamento militar ao regime, é impossível destituí-lo. Eles se fiam às histórias dos militares que desertaram e emigraram, muitos por rotas perigosas; daqueles que são considerados presos políticos por se rebelarem (são cerca de 170) e daqueles que manifestam no âmbito privado o descontentamento. Daí a cruzarem os braços, porém, há uma longa distância.

“Se houver algum movimento das forças de segurança para afastar Maduro, não será por causa do que diz a oposição”, diz Phil Gunson, analista da consultoria Crisis Group em Caracas, um ex-correspondente que há mais de 20 anos acompanha o chavismo.

“Suas mensagens aos militares e à polícia para que fiquem do seu lado são contraproducentes porque os une mais em torno do regime. María Corina é a líder da oposição que melhor se adapta a Maduro, porque mesmo para muitos dos chavistas que rejeitam Maduro, ela encarna precisamente a ameaça que o governo diz que a oposição representa para todos eles.”

Parte importante da oposição se envaideceu com o futuro retorno de Donald Trump ao poder nos EUA, acreditando que o republicano, que será empossado daqui a cerca de dez dias, adotará a estratégia de ampliar as sanções contra Caracas e reconhecer González como eleito.

Trump até aqui não jogou luz em qual será sua estratégia para a ditadura da América do Sul, mas após as notícias de detenção de María Corina publicou palavras de apoio.

Se nenhum evento-chave e surpreendente entrar para os livros de história nesta sexta, as páginas irão contar sobre uma ditadura que por mais seis anos se incrusta no poder às custas de um êxodo populacional de quase 8 milhões de pessoas que fugiram da Venezuela.

Seja como for, a cerimônia não terá apoios diplomáticos de peso. Nem aliados raros de Maduro na região, como o presidente boliviano, Luis Arce, irão (mas sim enviarão representantes).

A China enviará Wang Dongming, vice-presidente do Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo. A Rússia, Viacheslav Volodin, presidente da Câmara baixa do Parlamento. Há dúvidas sobre a ida do cubano Miguel Díaz-Canel e do nicaraguense Daniel Ortega. Brasil, Colômbia e México devem enviar seus embaixadores.

O órgão eleitoral venezuelano anunciou Maduro como vencedor com 52% dos votos sem apresentar as atas eleitorais que comprovam os números do pleito. O Supremo local validou o anúncio. Governos, opositores e organizações internacionais pediram a divulgação dos documentos. Nada nunca veio à luz.

Maduro, 62, assumiu o poder em 2013 após a morte de Hugo Chávez. O ex-motorista de ônibus e -ex-chanceler aprofundou a guinada autoritária iniciada nos últimos anos da era Chávez e impulsionou a repressão. Agora, pode permanecer até pelo menos 2031 no poder.

LINHA DO TEMPO DAS ELEIÇÕES NA VENEZUELA

**Outubro de 2023**

Ditadura e oposição assinam Acordo de Barbados se comprometendo a realizar eleições competitivas e com monitoramento internacional

**Janeiro de 2024**

O Supremo do país valida a inabilitação da principal líder opositora María Corina Machado, que no ano anterior havia ganhado as primárias da oposição para representar o setor nas eleições

**Março de 2024**

Com muito atraso, órgão eleitoral do país anuncia eleições para 28 de julho; dias depois, a oposição denuncia ter sido impedida de registrar a candidata Corina Yoris, que concorreria no lugar de María Corina

**Abril de 2024**

Edmundo González é anunciado como candidato da oposição

**Maio de 2024**

Regime cancela o convite para que observadores da União Europeia; única organização de peso restante para monitoramento é o Centro Carter, dos EUA

**Julho de 2024**

País vai às urnas no dia 28; órgão eleitoral não divulga atas da votação, algo de praxe, e diz que Maduro venceu com 52% dos votos; oposição recolhe atas com testemunhas de mesa e diz que González foi o vencedor, com mais de 60%; Centro Carter diz que eleição não foi livre

**Agosto de 2024**

Como esperado, o Tribunal Supremo de Justiça, a máxima corte do país, chancela a contestada reeleição do ditador; Brasil, Colômbia e México iniciam tratativas para tentar promover diálogo entre oposição e regime, mas os planos fracassam

**Setembro de 2024**

Edmundo González se exila em Madri, e María Corina Machado passa a estar clandestina

**Janeiro de 2025**

González sai da Europa e inicia um giro pelas Américas que inclui, nesta ordem, Argentina, Uruguai, EUA, Panamá e República Dominicana; ele e Maduro prometem tomar posse no dia 10

MAYARA PAIXÃO / Folhapress

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