Patrimônio imaterial, queijo Canastra brilha em MG em experiências gastronômicas

DELFINÓPOLIS, MG (FOLHAPRESS) – Leite cru, coalho, pingo -um fermento natural-, e sal. Esta é a receita que coroou os modos de fazer o queijo Minas artesanal como patrimônio cultural imaterial da humanidade, reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em dezembro de 2024.

O queijo de cor creme e homogênea, casca amarelada e consistência macia ganha aparência e sabores distintos durante o processo de maturação. Se a casca não é lavada, fica florida. O

“florescimento” é fruto da diversidade de fungos e bactérias que atuam sobre ele, tornando o exterior rugoso, o interior enrijecido e o sabor e o aroma marcantes.

Não espere encontrá-lo do mesmo jeito em todos os lugares em Minas Gerais. As diferenças são sentidas no paladar. Textura e outros aspectos sensoriais estão intimamente ligados à temperatura, umidade, topografia, altitude, vegetação e microbiota local, além de variações que surgem durante a confecção.

Hoje, dez regiões produtoras são reconhecidas pelo Instituto Mineiro de Agropecuária: Araxá, Campo das Vertentes, Canastra, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra do Salitre, Serras de Ibitipoca, Serro e Triângulo Mineiro.

Massa untuosa e compacta, prensada com ajuda de um pano, baixa acidez e aroma frutado ou floral caracterizam o Canastra, o queijo de maior fama entre os artesanais mineiros. O habitué de restaurantes brasileiros estrelados nasce em uma das cerca de 800 queijarias distribuídas em nove municípios na Serra da Canastra: Bambuí, Delfinópolis, Medeiros, Piumhi, São Roque de Minas, Tapiraí, Vargem Bonita, São João Batista do Glória e Córrego Danta.

A reportagem visitou Delfinópolis, a 420 km de São Paulo, que abriga uma centena de queijarias, muitas premiadas nacionalmente e fora do país.

Na Reserva do Lago, que abriu as portas em agosto de 2020, no auge da pandemia, Thiago Tristão, 40, exibe uma profusão de medalhas de bronze, prata, ouro e superouro, dignificações para peças feitas com leite A2A2, o que confere melhor digestibilidade.

Com reserva, é possível conhecer a fazenda, o processo de produção e fazer degustação (R$ 20).

Na Vale da Gurita, por R$ 35, o visitante prova queijos com 14, 25 e 45 dias de maturação, além de bocados conservados por seis meses e um ano.

Os floridos -mais maturados- adquirem firmeza para ralar, casca de coloração acinzentada, menor gramatura e sabor e preço mais salgados.

O que comanda o valor do QMA, como também é chamado o queijo Minas artesanal, é o tempo de maturação do produto. Quanto maior, mais caro. A partir de R$ 20, é possível levar para casa 1/4 de um bom Canastra.

Na Quinta de Sant’Ana, Claudia Camargo, 58, e Odil Pereira, 69, produzem queijos mais adocicados, em razão da adição de bactérias probiônicas, e uma versão crispy do Canastra, além de peças autorais de massa cozida e inspiradas em exemplos europeus.

Em meio a propriedades novas, que salvaguardam os modos tradicionais de fabricação, estão famílias como a de Luiz Henrique Fernandes, 61, o Nico, da Porto Canastra, que representa a terceira geração a produzir queijo às margens do rio Grande.

Para descobrir o tipo de queijo que vai fazer no dia, Nico acorda cedo, coloca a mão para fora da janela e sente a temperatura. Ele produz o Canastrone, queijo que utiliza 40 litros de leite e tem formato de panetone, e o Canastra Real, elaborado com 90 litros de leite e maturado por 60 dias.

“Só tento não atrapalhar os processos”, diz, ao optar por vacas soltas com seus bezerros e ordenhadas uma só vez ao dia. São 12 no total e elas têm nome e gostam de música.

Os seis a oitos queijos feitos diariamente fazem companhia para geleias orgânicas e doces de leite. Nico pretende manter a escala e não se preocupa em exportar. “Não damos conta do mercado interno, imagina o externo.”

Outros queijeiros e autoridades ligadas ao setor cultural mineiro, contudo, enxergam a distinção da Unesco como um pontapé para que o produto rompa fronteiras estaduais e nacionais.

Na Canastra, não é difícil encontrar queijarias com algum título do Mondial du Fromage, um dos mais expressivos concursos internacionais de queijos. Conta-se por lá que as peças embarcam para a Europa em malas comuns de queijistas, uma vez que a fiscalização não permite a exportação.

Paulatinamente, porém, selos de inspeção municipais e estaduais foram introduzidos e permitiram visibilidade e expansão para o queijo por vezes considerado “clandestino”.

Para José Ozório, presidente da Amiqueijo (Associação Mineira do Queijo Artesanal), as restrições “têm a ver com o fato de ser um produto feito com leite cru (sem pasteurização). A clandestinidade estava ligada à falta de uma legislação adequada, mas atualmente há programas de apoio do governo”.

O secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do estado, Thales Fernandes, no dia em que o queijo recebeu status de patrimônio, prometeu que os esforços continuarão e avisou: “o mundo que nos aguarde”.

Harmonizações de queijos com cervejas locais, além da combinação com doces e outros preparos da culinária mineira, ganham destaque em Delfinópolis.

No sítio Lá da Serra, comandado por Flávia Ferreira, 37, o turista é recebido em ambiente de natureza farta e aconchego de casa de vó.

No almoço queijeiro, a agrônoma serve queijos da região harmonizados com cervejas pilsen, witbier, red ale e IPA que ela produz.

Como entrada, se o visitante der a sorte, experimenta pão caseiro de abóbora coberto de queijo Canastra, caponata de berinjela, flor de ora pro-nóbis e torresmo.

O prato principal, uma marmita delicadamente envolta de chita, acomoda porco na lata, tutu de feijão com queijo Canastra, arroz soltinho e vinagrete de carambola.

Doce de fruta da época, finalizado com algum azeite mineiro, arremata a experiência, que necessita de reserva e sol, já que tudo isso acontece sob árvores frutíferas no quintal da família Ferreira. A ocasião conta com boa prosa e uma apresentação dos quitutes feita por Flávia e um queijeiro. Por tudo, paga-se R$ 180.

A fartura de queijo e mineiridade das mesas da Serra da Canastra, porém, não se circunscreve à localidade. Por isso, José Ozório é categórico no conselho: “Visite todas [as regiões produtoras de queijo], pois cada uma tem peculiaridades e são riquíssimas em histórias, com as famílias te recebendo de coração aberto e orgulhosas da sua cultura queijeira”.

DANI BRAGA / Folhapress

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