Clima, crise de confiança e inércia: os motivos para inflação fora da meta citados nas 8 cartas do BC

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Banco Central enviou na sexta-feira (10) uma carta aberta a Fernando Haddad (Economia) para explicar a inflação acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta em 2024. É a oitava desde a criação do sistema de metas para a inflação, em 1999.

No ano passado, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor – Amplo) fechou 2024 com alta acumulada de 4,83% -acima do limite superior da meta. O alvo central definido pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) era 3%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos.

O documento foi assinado por Gabriel Galípolo, que assumiu a presidência do BC neste ano, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A inflação ficou fora do intervalo de tolerância em oito anos: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021, 2022 e 2024. O sistema prevê que o presidente do BC escreva uma carta aberta ao presidente do CMN, descrevendo as causas do descumprimento, as medidas para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo para isso.

Dos oito descumprimentos da meta desde 1999, três foram na gestão de Roberto Campos Neto -nomeado por Jair Bolsonaro (PL) e o primeiro a presidir o BC após a sua independência, em 2021.

As cartas anteriores foram assinadas por Ilan Goldfajn (sob o governo Michel Temer), Alexandre Tombini (Dilma Rousseff), Henrique Meirelles (Lula) e Armínio Fraga (Fernando Henrique Cardoso).

Entre as justificativas para o descumprimento da meta no Brasil, aparecem com frequência a depreciação cambial -ou seja, quando o real perdeu valor em relação ao dólar- e a expectativa de inflação elevada.

Também são constantes a elevação das commodities (os produtos básicos que o Brasil vende ao exterior, como soja, petróleo e minério de ferro) e aumento dos preços administrados (como energia elétrica e combustíveis).

Em cinco documentos, inclusive no mais recente, o BC também atribui com grande peso o descumprimento da meta à chamada “inércia inflacionária”, quando a inflação passada se reflete em reajustes posteriores de preços, como aluguéis e mensalidades escolares. Esse é um motivo de preocupação dos economistas para 2025.

Como os documentos relatam o comportamento da inflação no ano anterior, alguns deles são enviados por presidentes do BC que ainda não estavam no comando da autoridade monetária naquele período -isso ocorreu agora, com a carta enviada por Galípolo a Haddad, ou na que Meirelles mandou a Palocci em 2003, após a vitória de Lula.

A carta de 2003, referente ao ano de 2002, último da gestão FHC, é a única da história que cita “crise de confiança” na economia brasileira como uma causa da alta dos preços. O termo aparece cinco vezes no documento.

“O ano de 2002 foi caracterizado por uma conjugação perversa de uma severa crise de confiança na evolução da economia brasileira e um forte aumento da aversão ao risco nos mercados internacionais”, escreveu Henrique Meirelles, então presidente do BC, na carta enviada ao ministro da época, Antonio Palocci.

O IPCA acumulado naquele ano atingiu seu maior pico, de 12,5%.

Já carta escrita em 2002, referente a 2001, remonta a dura crise energética do país, o apagão, que provocou pressão adicional sobre a taxa de câmbio. Também foi o ano em que o país viveu os efeitos econômicos dos ataques às Torres Gêmeas nos Estados Unidos, que ajudaram a na depreciação do real.

Para analisar os termos mais recorrentes em todos os documentos, a reportagem contou com o auxílio da ferramenta de inteligência artificial NotebookLM, do Google. Depois, checou as informações em cada arquivo.

A carta de 2025, referente ao ano passado, é a mais enfática sobre o clima. É a terceira que utiliza o termo “anomalia climática” -as outras duas são na gestão de Campos Neto. A seca que atingiu regiões do país e as enchentes no Rio Grande do Sul são apontadas como as principais causas da inflação de alimentos no ano passado.

O BC calcula que “o efeito da anomalia climática medida pela temperatura no Oceano Pacífico” e os choques na curva de Phillips de preços de alimentação no domicílio contribuíram com 2,43 pontos percentuais da inflação, o que corresponde a um impacto de 0,38 pontos percentuais na variação do IPCA.

A autoridade monetária apresenta uma série de providências para conter a inflação e assegurar sua convergência à meta. São três as mais frequentes nas oitos cartas: controle da taxa básica de juros, a Selic, ancoragem das expectativas de inflação e atuação sobre preços administrados.

Todas as cartas do BC estão disponíveis para consulta no perfil da Folha de S.Paulo na ferramenta Pinpoint, do Google.

PAULA SOPRANA E DOUGLAS GAVRAS / Folhapress

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