Veneno do século 17 dá nome à operação ‘Aqua Tofana’ sobre caso de bolo

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A Polícia Civil batizou de “Aqua Tofana” a operação que investiga a morte de três mulheres após comerem um bolo envenenado com arsênio em Torres (RS).

O nome faz referência a uma receita de veneno conhecida no século 17. A Aqua Tofana, apesar de considerada um misto de lenda e fatos, tem um histórico documentado em estudos acadêmicos. De acordo com Manuel João Monte, da Universidade do Porto, em artigo publicado no site Casa das Ciências em 2020, a substância era uma mistura de arsênio com outros elementos, criada por Giulia Tofana.

O veneno era utilizado por mulheres italianas para eliminar maridos abusivos. Ela era vendida sob o pretexto de ser um cosmético, mas foi usada para envenenar mais de 600 homens. A ligação com o caso de Torres se dá pela semelhança no uso de arsênio e na tentativa de ocultar o envenenamento como uma causa natural de morte.

O veneno provocava sintomas confundidos com doenças naturais. A vítima apresentava sinais leves antes de a situação se agravar para a morte. Giulia Tofana e sua filha, Girolama Spera, foram executadas em 1659 por esses crimes, segundo o mesmo artigo.

Em seu livro “Aqua Tofana”, Cathryn Kemp apresenta a envenenadora como alguém que dominava o conhecimento de ervas e substâncias químicas. Esse saber permitiu a criação de um veneno quase indetectável, utilizado por mulheres presas em casamentos abusivos como forma de escapar da opressão.

Kemp destaca o contexto social e os efeitos do veneno. “A história de Giulia Tofana é um reflexo da sociedade italiana do século 17, marcada pela opressão feminina e pela falta de direitos para as mulheres”, escreve Kemp.

A composição exata do veneno permanece um mistério, mas o arsênio era provavelmente o ingrediente principal. Seus efeitos provocavam uma morte lenta e aparentemente natural, dificultando a identificação do envenenamento.

Veneno ganhou destaque durante a ‘arsenização britânica’ no século 19. Segundo Manuel João Monte, esse período foi marcado por um aumento expressivo de mortes causadas por arsênio no Reino Unido. A substância era vendida livremente e usada tanto como raticida quanto em crimes de envenenamento, facilitados pela ausência de regulamentação rigorosa.

A popularidade do arsênio se relacionava ao seu baixo custo e facilidade de uso. Por preços acessíveis, era possível adquirir quantidades suficientes para matar várias pessoas. Muitas vítimas tiveram suas mortes atribuídas a causas naturais até o desenvolvimento de métodos mais precisos de detecção.

RELEMBRE O CASO NO RS

Deise Moura dos Anjos é suspeita de envenenar um bolo consumido pela família. Na véspera de Natal de 2024, três pessoas morreram após ingerirem a sobremesa. Outras duas, incluindo uma criança, ficaram hospitalizadas em estado grave.

As investigações revelaram um plano meticuloso de envenenamento. Segundo a Polícia Civil, Deise adquiriu arsênio e pipetas em sites da internet e pesquisou venenos inodoros e insípidos. Essas substâncias foram usadas para contaminar a farinha utilizada no bolo. Em coletiva, a delegada regional Sabrina Deffente informou que a suspeita fez pesquisas na internet por termos como “arsênio veneno”, “arsênico veneno” e “veneno que mata humano”, até que chegou em um texto sobre a “Aqua Tofana”.

O crime ocorreu durante um encontro familiar. Deise é suspeita de envenenar a farinha utilizada pela sogra, Zeli dos Anjos, para a produção de um bolo de reis, tradição anual da família. Zeli foi hospitalizada após a ingestão de duas fatias, junto com um neto, mas ambos sobreviveram.

Não resistiram ao envenenamento duas irmãs e uma sobrinha de Zeli. Maida Berenice Flores da Silva, 58, Neuza Denize Silva dos Anjos, 65, e Tatiana Denize Silva dos Santos, 43, morreram no hospital.

O veneno foi identificado em altas concentrações no bolo e no sangue das vítimas. Segundo o Instituto-Geral de Perícias, a contaminação não foi acidental, e as investigações apontam que o arsênio foi adicionado intencionalmente.

A suspeita também pode estar ligada à morte de seu sogro meses antes. Segundo a Polícia Civil, o homem ingeriu arsênio provavelmente oculto em bananas e leite em pó levados por Deise à casa da família. Ela teria tentado cremar o corpo, mas foi impedida por questões legais.

Deise foi presa preventivamente por 30 dias. A prisão foi decretada com base em provas robustas apresentadas pela Polícia Civil, incluindo registros de compras online e a presença de arsênio nos alimentos. Segundo o delegado responsável, a detenção é fundamental para evitar a destruição de evidências e garantir o avanço das investigações.

Procurada nesta segunda, defesa de Deise ainda não se manifestou sobre acusações mais recentes. Na semana passada, os advogados Manuela Almeida, Vinícius Boniatti e Gabriela Souza divulgaram em nota que prestaram “atendimento em parlatório” à suspeita e que não tiveram “acesso integral à investigação em andamento, razão pela qual [a defesa] se manifestará em momento oportuno”. O texto será atualizado no caso de futuras manifestações.

Redação / Folhapress

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