‘Sugarcane’ explora passado doloroso dos indígenas canadenses

FOLHAPRESS – Nem toda grande história rende um grande documentário. É o caso de “Sugarcane”, exibido na Disney+, um dos filmes documentais mais premiados do ano passado, mas que parece estar sendo celebrado mais pela força de sua incrível história do que por seus méritos cinematográficos.

“Sugarcane” relata os muitos anos de abuso e torturas sofridos por crianças em escolas públicas indígenas no Canadá. Em 2021, corpos foram encontrados enterrados nas áreas dessas escolas e revelaram um sistemático e sangrento método de eliminação de jovens indígenas.

A grande maioria dessas escolas era gerida pela Igreja Católica. As histórias eram escabrosas e envolviam castigos corporais, abusos sexuais, estupros e até a incineração de bebês de meninas indígenas.

As escolas indígenas foram criadas pelo governo canadense no fim do século 19 com o objetivo de “resolver o problema indígena”, o que significava tirar crianças indígenas do convívio dos pais e as educar nos preceitos europeus e católicos. A rede teve 500 escolas, durou quase um século, até 1997, e nesse período recebeu cerca de 150 mil jovens. Foi só após o fim do sistema que os relatos de abusos e violência impactaram a população canadense.

“Sugarcane” foi dirigido por Emily Kassie, uma premiada fotojornalista conhecida por coberturas de crises humanitárias entre refugiados na África e imagens chocantes de violência em centros de detenção de imigrantes, e por Julian Brave NoiseCat, ativista, escritor e membro de uma nação indígena do noroeste do Canadá. A história dos abusos cometidos em escolas indígenas é muito próxima à família de NoiseCat, já que o pai e avó são sobreviventes de uma das escolas onde a violência era constante.

O filme tenta abarcar muitas histórias, e talvez esse seja o seu problema central. Há tantos personagens e tantas subtramas que o espectador acaba se perdendo na narrativa, e a força dramática da história se perde. Kassie e NoiseCat entrevistam diversos ex-alunos das escolas indígenas, políticos e investigadores que estão há anos buscando evidências dos maus-tratos. É tanta gente que o filme acaba sem um personagem central para ancorar a trama.

Os depoimentos são comoventes, e é impossível não se emocionar com os relatos dos barbarismos sofridos. Mas “Sugarcane”, em certo ponto, lembra mais uma reportagem de TV do que um filme. Há sequências em que vários indígenas se reúnem para lembrar os tempos que passaram nas escolas, e essas cenas têm uma desagradável sensação de experiência coletiva de reality show.

Kassie e NoiseCat tentaram fazer um filme imersivo e lúdico, repleto de cenas bonitas de paisagens e rituais indígenas e decorado com uma trilha sonora atmosférica da compositora indígena Mali Obomsawim. Algumas sequências são realmente lindas, mas o principal, que é contar de forma objetiva a história das escolas indígenas e suas vítimas, de alguma forma fica em segundo plano.

Por outro lado, as cenas de arquivo e fotografias são incríveis e mostram como o governo canadense e a Igreja Católica fizeram de tudo para divulgar o estereótipo de que a população indígena seria preguiçosa e pouco inteligente, e que só a educação religiosa severa seria capaz de “salvar” os jovens indígenas. No fim das contas, “Sugarcane” merece ser visto, mas fica aquém da força de sua história.

SUGARCANE: SOMBRAS DE UM COLÉGIO INTERNO

– Avaliação Bom

– Classificação 16 anos

– Produção Estados Unidos, Canadá, 2024

– Direção Julian Brave NoiseCat, Emily Kassie

– Onde ver Disponível no Disney+

ANDRÉ BARCINSKI / Folhapress

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