Governo abandona plano de erguer grandes hidrelétricas e prioriza centenas de pequenas barragens

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Lula decidiu dar uma guinada na matriz elétrica nacional, com a realização do principal leilão de energia deste ano voltado exclusivamente à contratação de centenas de pequenas usinas hidrelétricas. No lugar das grandes barragens, entram as chamadas PCHs.

Até o dia 7 de fevereiro, a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) vai receber propostas de empresas interessadas em participar do leilão A-5, no qual são contratados projetos que devem entrar em operação daqui a cinco anos. A licitação está prevista para julho.

Os leilões A-5 costumam ser realizados para contratar projetos de grandes hidrelétricas, mas, desta vez, o certame vai se limitar a projetos com capacidade máxima de 50 megawatts, potência suficiente para atender até 107 mil famílias brasileiras, considerando o consumo médio de energia residencial.

A complexidade do licenciamento ambiental é um dos principais fatores que explicam essa mudança no perfil de contratação dos projetos. Gestões anteriores do PT foram marcadas pelo leilão de grandes empreendimentos na Amazônia, como as hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, todas leiloadas no segundo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

As pequenas centrais dispensam a construção de reservatórios de água, mas trazem impacto cumulativo nos rios, por serem erguidas em série.

À reportagem o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defendeu a expansão da geração hídrica, mas afirmou que os tempos atuais não favorecem as grandes usinas. “Sabemos das resistências a esses projetos, que são muito grandes”, disse. “Temos 11% da água doce do planeta. É nosso maior ativo, por isso, sou um defensor da produção hídrica, com o menor impacto possível.”

Hoje, há 1.106 usinas de micro e pequeno porte em operação no Brasil, com potência total de 6.726 megawatts de energia. A título de comparação, a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, tem capacidade total de 11.233 megawatts.

Paralelamente, há outras 33 plantas em fase de construção e outras 58 autorizadas, conforme dados atualizados até este mês pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

A EPE, responsável pela habilitação de projetos para o leilão, processo que foi iniciado em dezembro, declarou que ainda não é possível saber quantas usinas deverão ser cadastradas. “Historicamente, os empreendedores costumam efetivar o cadastro de seus empreendimentos somente nas datas próximas ao final do prazo estipulado pelo MME”, afirmou a empresa.

Hoje, a autarquia já possui 44 projetos de usinas de micro e pequeno porte tecnicamente habilitadas, remanescentes do último leilão A-5, que foi realizado em outubro de 2022.

Mesmo sem saber qual será o resultado do leilão, o mais recente plano decenal de energia elaborado pelo governo, que prevê as necessidades de ampliação do setor até 2034, sinaliza a necessidade de expandir o parque das PCHs em pelo menos 3.287 MW de potência instalada, o que significa um crescimento de aproximadamente 50% em relação ao volume atual.

OBRIGAÇÃO DE CONTRATAÇÃO

A contratação das PCHs não se limita a uma decisão de planejamento técnico do setor. O lobby dessas usinas realizado no Congresso Nacional conseguiu incluir, no projeto de lei da privatização da Eletrobras, um jabuti – emenda estranha ao texto original – para exigir a contratação de ao menos 2.000 megawatts de geração de PCHs até 2026.

Silveira disse à Folha que, de fato, o leilão se baseia nessa determinação. “Realmente, usei a lei dos 2 GW da privatização da Eletrobras neste leilão, mas isso vai acontecer, também, porque temos demanda de energia. Estamos falando de usinas que entrarão em operação em 2030, daqui a cinco anos, e precisamos dessa geração. Por isso, eu espero que tenhamos um bom resultado”, disse.

O ministro diz que existe a possibilidade de fazer um novo leilão para o setor em 2026. “O planejamento aponta que já há demanda para 2030. Temos dados apontando que há necessidade de energia nova.”

Segundo ele, a instalação dessas usinas, que costumam ser licenciadas por órgãos ambientais estaduais, pode ajudar financeiramente pequenos municípios, por meio de receitas como ICMS, ISS e a Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH).

Por outro lado, ambientalistas afirmam que, muitas vezes, a instalação de uma sucessão de pequenas barragens em um mesmo rio pode ser um impacto multiplicado, comprometendo toda a região, ao alterar o regime natural das águas, transformando leitos naturais em uma sucessão de represas.

Entre os grandes consumidores de energia, o leilão também é acompanhado com ceticismo. “Esse leilão atende a uma regra existente, que garante uma reserva de mercado na contratação de energia pelo mercado. É só mais um contrassenso nesse coliseu de jabutis que transformaram o setor elétrico”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres).

Pedrosa lembra ainda que o sucesso do leilão depende da demanda por energia futura que será apresentada pelas distribuidoras. Pelo modelo do setor, são essas empresas que dizem o quanto vão precisar de geração extra, num cenário projetado para 2030, que garanta o atendimento aos seus consumidores. O leilão, então, é estruturado para atender a essa demanda, tendo como critério os projetos mais competitivos, em termos de preço e viabilidade técnica.

Cada PCH será contratada por 20 anos. O preço-teto estabelecido pelo governo se baseia no custo do Leilão A-6 realizado em 2019, que foi de R$ 285,00 o megawatt-hora. Corrigido para valores atuais, o leilão prevê um preço-teto de pelo menos R$ 380/MWh em seu leilão de julho. Em 2022, o leilão realizado para contratar usinas solares fotovoltaicas chegou ao preço médio de R$ 171,41 por MWh.

ANDRÉ BORGES / Folhapress

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