BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Meta, empresa que detém Instagram, WhatsApp e Facebook, enviou resposta à notificação do governo Lula (PT) em tom mais brando que o utilizado por seu CEO, Mark Zuckerberg, para falar das mudanças de sua política de moderação.
A big tech não usa o termo “censura” e diz, entre outras afirmações, que está “comprometida em respeitar os direitos humanos” e que parte das mudanças tem o objetivo de diminuir o que classifica como exageros na aplicação das regras, além de reduzir erros.
Quanto ao fim do programa de checagem, a Meta afirmou que, no momento, está encerrando o sistema apenas nos Estados Unidos, onde diz que testará e aprimorará o modelo de Notas da Comunidade, “antes de dar início a qualquer expansão para outros países”
Já em relação a outras mudanças anunciadas pelo CEO na semana passada, como as novas regras sobre discurso de ódio e o menor uso de sistemas automatizados, a empresa não faz qualquer ressalva de que a aplicação seria restrita aos EUA, indicando que elas valem também para o Brasil.
O documento foi enviado pela empresa nas últimas horas de segunda-feira (13), em atendimento a pedido de esclarecimentos da AGU (Advocacia-Geral da União) do fim da última semana.
Após o recebimento da resposta, o órgão afirmou em nota que realizará uma audiência pública para debater o tema na próxima quinta-feira (16).
A AGU afirmou em nota que, em seu entendimento e de ministérios que atuam no tema, “os atuais termos de uso das plataformas, assim como as mudanças informadas agora pela Meta, não estão adequadas à legislação brasileira e não são suficientes para proteção dos direitos fundamentais da cidadania”.
O órgão disse ainda que as informações prestadas agora contrariam afirmações recentes realizadas pela empresa no curso das ações sobre o Marco Civil da Internet no STF (Supremo Tribunal Federal).
A AGU afirma que nelas representantes da empresa “asseguraram que as então políticas de governança de conteúdo eram suficientes para a proteção dos direitos fundamentais dos usuários”.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o posicionamento da Meta em ação do STF em novembro tinha tom oposto ao usado por Zuckerberg.
Uma das atualizações das políticas feitas pela Meta passou a permitir, por exemplo, que usuários associem transexualidade e homossexualidade a doenças mentais.
Ao abordar o tema, e sem citar as alterações específicas, a Meta afirmou que as mudanças em suas políticas de conteúdo se restringem a atualizações em sua “política de conduta de ódio” e que ela tem como objetivo “garantir maior espaço para a liberdade de expressão”. Disse ainda que procuram “simplificar” a política para permitir um debate “mais amplo” sobre temas que são parte de “discussões em voga na sociedade”.
Em seu anúncio na semana passada, Zuckerberg não tinha deixado claro a extensão das mudanças nessas regras, chamadas de “padrões da comunidade”, afirmando apenas que a empresa diminuiria restrições a temas como “imigração e gênero”.
“Alguns aspectos constantes no documento da Meta causam grave preocupação na AGU e em órgãos do governo federal”, diz nota da AGU. “Especialmente a confirmação da alteração e adoção, no Brasil, da Política de Conduta de Ódio que, à toda evidência, pode representar terreno fértil para violação da legislação e de preceitos constitucionais que protegem direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.”
A Meta também defendeu a mudança anunciada por Zuckeberg que prevê a restrição do uso de sistemas automatizados para detectar violações das políticas. A empresa afirma à AGU que as mudanças anunciadas “visam a simplificar nossos sistemas para diminuir o exagero na aplicação de nossas políticas e reduzir erros”.
Ela diz que antes usava o sistema automatizado para rastrear violações de todas as políticas, mas que passará a concentrar seu uso para lidar com violações de “alta gravidade”, citando terrorismo, exploração sexual infantil, drogas, fraudes e golpes, e ainda conteúdos que incentivem suicídio e automutilação.
Em seu anúncio, Zuckerberg tinha falado apenas em “violações ilegais e de alta gravidade”, sem detalhar o que estaria abarcado nessas categorias. Segundo ele, a análise de casos de “baixa gravidade” passará a depender de denúncias de usuários para que sejam analisados.
Na manifestação à AGU, a empresa diz ainda que seus canais existentes para denúncias seguirão disponíveis e que continuará a “adotar medidas contra conteúdo que for violador em resposta”.
A Meta afirmou também que a mudança do programa de checagem, que será substituído pelas “notas da comunidade”, valerá neste momento somente nos Estados Unidos, dizendo que planeja “criar, testar e melhorar” a ferramenta antes de expandi-la.
Sem dar outras informações concretas a respeito, disse apenas que espera publicar mais informações sobre como elas funcionarão, incluindo “planos para quaisquer relatórios de transparência” sobre sua utilização.
Na nota divulgada após análise da resposta, a AGU afirma que a audiência pública na próxima quinta-feira será realizada em conjunto com as pastas da Justiça, dos Direitos Humanos e ainda a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), agora liderada pelo marqueteiro Sidônio Palmeira.
Entre os temas a serem discutidos estão os efeitos da nova política da Meta, os riscos da substituição do programa de checagem no exterior e as medidas a serem ser adotadas “com o objetivo de assegurar o cumprimento da legislação nacional e a proteção de direitos”.
Disse ainda que serão convidados órgãos governamentais, entidades da sociedade civil, especialistas, acadêmicos e representantes de agências de checagem de fatos.
Um dia antes de o governo enviar o pedido de informações, Lula mandou um recado a Mark Zuckerberg, ao dizer que um cidadão não pode achar que tem condição de ferir a soberania de uma nação.
A declaração de Lula foi feita em reação ao posicionamento de Zuckerberg, que criticou tribunais da América Latina e disse que trabalhará com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, “para resistir a governos ao redor do mundo que estão perseguindo empresas americanas e pressionando por mais censura”.
MARIANA BRASIL E RENATA GALF / Folhapress