BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou nesta quarta-feira (15) que o governo vai revogar a norma da Receita Federal que amplia a fiscalização sobre transações de pessoas físicas via Pix que somarem ao menos R$ 5.000 por mês.
Na sequência, vai ainda editar uma medida provisória para reforçar que não pode haver diferença no valor cobrado em Pix e em dinheiro, e que está mantido o sigilo bancário dessa modalidade de transferência. O texto não abordará o que havia na norma revogada.
As declarações foram dadas no Palácio do Planalto ao lado do secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e do advogado-geral da União, Jorge Messias.
“A MP reforça os princípios tanto da não oneração da gratuitidade do Pix quanto das cláusulas de sigilo bancário do Pix, objetos de exploração por parte dessas pessoas que estão cometendo um crime”, disse Haddad.
A medida, na prática, reforça o que já existe, mas é uma forma de responder politicamente às críticas da oposição. O anúncio acontece após uma onda de desinformação sobre a medida nas redes sociais.
“O estrago causado está feito por esses inescrupulosos, inclusive senador e deputado, agindo contra o Estado. Essas pessoas vão ter que responder pelo que fizeram, mas não queremos contaminar a tramitação da MP no Congresso”, disse Haddad.
Na avaliação do advogado Ranieri Genari, especialista em direito tributário e consultor na Evoinc, a decisão desta quarta reverterá um efeito que estava se desenhando, que seria o desestímulo ao uso do Pix, com a preferência de novo pelo papel-moeda. “Acalmam-se os ânimos”, diz.
Já o economista André Perfeito, sócio da consultoria APCE, afirma que o recuo mostrou fraqueza do governo e destacou a percepção de o mal-estar econômico no Brasil.
“Se a população está ‘apta’ a aceitar essa mentira como verdade, é evidente que a situação econômica geral está piorando a passos largos. A queda da atividade está contratada e a população reage violentamente a qualquer indício de diminuição de renda. Esta hipersensibilidade da população é a evidência que faltava para deixar claro que a atividade já está desacelerando”, diz Perfeito.
As novas regras da Receita, que agora serão revogadas, entraram em vigor no início do ano e determinavam que operadoras de cartão de crédito e instituições de pagamento, como bancos digitais, deveriam notificar operações que ultrapassem o montante de R$ 5.000 por mês para pessoas físicas e R$ 15 mil mensais no caso de pessoas jurídicas.
Essas transações incluem o Pix, inclusive considerando operações entre contas do mesmo titular.
A norma já se aplicava a bancos tradicionais e cooperativas de créditos. Agora, passaria a valer para novos integrantes do sistema financeiro.
O ministro não descarta por completo a reedição da regra da Receita Federal. Segundo disse, haverá diálogo do governo federal com os estaduais sobre o tema, após a tramitação da MP, porque o objetivo da norma da Receita era combater crimes.
“Precisa ser um projeto de Estado. Não de partido A ou B”, disse Haddad.
Nos últimos dias, viralizaram vídeos como o do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) criticando a instrução normativa da Receita Federal. Na publicação, o parlamentar critica a medida da Receita, afirma que o governo “só está pensando em arrecadar, sem te oferecer nada” e fala em “quebra de sigilo mascarado de transparência”. O vídeo registra mais de 200 milhões de visualizações no Instagram.
O ministro da Fazenda não citou nominalmente o deputado mineiro, mas mencionou a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso da rachadinha, e disse que a medida da Receita visa evitar crimes como este.
Questionado, o ministro respondeu que a principal fonte divulgadora da desinformação foi a oposição. “O impulsionamento, sem dúvida, é deles”, disse. Haddad lembrou ainda que o seu antecessor no cargo, Paulo Guedes, ministro de Bolsonaro, chegou a defender a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
A AGU vai também notificar a Polícia Federal para que encontre responsáveis pelas desinformações divulgadas sobre o tema.
“Nós determinamos que a Advocacia Geral da União ainda hoje notifique a Polícia Federal para abertura de inquérito policial para identificar todos os atores nas redes sociais que geraram essa desordem informacional, que criaram essa narrativa e fizeram com que pessoas de boa-fé, comerciantes, cidadãos em geral, caíssem nos golpes contra a economia popular”, disse Messias.
O anúncio do recuo do governo foi feito após duas reuniões dos ministros com o presidente Lula (PT). Pela manhã, Haddad esteve com o ministro Sidônio Palmeira da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), o secretário de Comunicação Social, Laércio Portela.
A segunda reunião, da parte da tarde, não chegou a ser prevista em agenda oficial, e ocorreu com Messias, Haddad e Barreirinhas.
Barreirinhas, ao anunciar a revogação da regra da Receita Federal, classificou como inescrupulosos aqueles que distorceram o ato do Fisco, causando o que chamou de pânico.
“Desacreditando justamente o pagamento, apesar de todo o nosso trabalho. Essas pessoas sem escrúpulos com vista a ganho político prejudicaram e abriram margem para crimes. Infelizmente esse dano é continuado e, por conta desse dano, decidi revogar esse ato no momento”, afirmou o secretário.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, antes mesmo de tomar posse, Sidônio encomendou às agências encarregadas da comunicação do governo uma campanha de esclarecimento sobre as novas regras de monitoramento da Receita de transações por Pix.
A urgência dada ao tema se deu pela rapidez na qual a versão enganosa de que o governo tributaria as transferências por Pix se disseminou. Na avaliação de integrantes do Executivo, a oposição estava vencendo essa batalha nas redes sociais.
Na segunda (13), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou estar mobilizando a bancada de seu partido no Congresso Nacional para derrubar a medida da Receita.
“Junto à nossa bancada de deputados e senadores do PL, e de outros partidos, buscaremos medidas para derrubar essa desumana Instrução Normativa da Receita de Lula da Silva”, disse Bolsonaro em post no X (ex-Twitter). Ele já havia retuitado posts críticos à medida na semana passada.
Segundo relatos levados ao governo, alguns pequenos comerciantes passaram a recusar pagamento via Pix, exigindo dinheiro vivo.
Em nota, a ACSP (Associação Comercial de São Paulo) disse não ter conhecimento de que comerciantes estejam aumentando cobranças alegando taxações das operações de Pix. “A ACSP reforça que as transações de Pix são seguras e um meio de pagamento gratuito para o comerciante, que prefere receber por essa modalidade, uma vez que não existe taxação, como acontece com as maquininhas de cartão de crédito e débito.”
Já a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) informou que não recebeu informações ou relatos de sindicatos de que o comércio adotou algum tipo de mudança nos meios de pagamento ou que passou a não aceitar o Pix. Com a revogação da norma, anunciada pelo governo, espera-se também que não haverá novidade sobre o assunto nos próximos dias, diz.
MARIANNA HOLANDA, ANA POMPEU E CATIA SEABRA / Folhapress