É do Brasil! Usuários brasileiros do Instagram ganham o Oscar

Fabrício Correia
Fabrício Correia
Fabrício Correia é jornalista, escritor, professor universitário, especialista em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão. É crítico de cinema, membro da Academia Brasileira de Cinema e apresenta o programa “Vale Night” na TV Thathi SBT.
É do Brasil! Usuários brasileiros do Instagram ganham o Oscar

O Oscar 2025 será lembrado como o ano em que o Brasil catapultou as redes sociais da Academia. O que deveria ser apenas mais uma cerimônia esquecível da maior premiação do cinema se transformou em um fenômeno digital sem precedentes, onde o público brasileiro não apenas acompanhou o evento, mas dominou o debate global. Durante a transmissão e nos dias seguintes, o Instagram oficial da Academia testemunhou um comportamento atípico: postagens relacionadas a personalidades e produções brasileiras obtiveram um engajamento esmagador, enquanto conteúdos sobre os vencedores de outras categorias passaram quase despercebidos.

Os números falam por si. Enquanto a postagem da entrevista com vencedora do Oscar de Melhor Atriz, Mikey Madison, obteve apenas 15 mil curtidas, a de Fernanda Torres ultrapassou 800 mil. O diretor Walter Salles, celebrando a vitória de “Ainda Estou Aqui” na categoria de Melhor Filme Internacional, registrou quase 500 mil curtidas. Selton Mello, um dos protagonistas do filme, superou 600 mil. Já Sean Baker, diretor de “Anora”, que venceu como Melhor Filme, teve apenas 58 mil interações. Ariana Grande, uma das maiores estrelas da música mundial, apareceu em um dos posts mais comentados da noite e obteve cerca de 120 mil curtidas, número que, em qualquer outra circunstância, seria expressivo, mas que, diante do tsunami de engajamento brasileiro, tornou-se insignificante.

O fenômeno foi tão intenso que a Academia precisou intervir. Comentários foram restringidos, e postagens específicas foram ocultadas para usuários brasileiros, numa tentativa de conter a enxurrada de mensagens que lotavam cada publicação. A decisão provocou revolta entre internautas, que acusaram a premiação de censura e manipulação, enquanto especialistas em redes sociais apontaram para um novo paradigma no comportamento digital: a hiperconectividade e a força da audiência brasileira estavam alterando as regras do jogo. O Instagram, plataforma que há anos serve como reflexo do comportamento digital global, mostrou-se incapaz de gerenciar a avalanche de interações de um único país.

Este episódio evidencia um aspecto essencial do ecossistema digital brasileiro: o Instagram não é apenas uma rede social para seus usuários, é um território de pertencimento. No Brasil, a plataforma não serve apenas para consumo passivo de conteúdo; é um espaço de construção de identidade, de expressão coletiva e de mobilização. Enquanto em outros países a interação digital muitas vezes é limitada a likes e repostagens, no Brasil ela se traduz em narrativas de engajamento, campanhas espontâneas e uma ocupação massiva dos espaços digitais.

O impacto dessa mobilização não se restringe ao entretenimento. Grandes marcas e empresas globais perceberam que o Brasil não é apenas um mercado consumidor de redes sociais – é um ator ativo na definição do que se torna relevante na internet. Quando o público brasileiro decide apoiar uma causa, um artista ou uma produção cultural, ele o faz de maneira organizada, apaixonada e sem precedentes em volume. Isso altera a forma como as marcas precisam se comunicar com essa audiência. Já não basta lançar um produto ou uma campanha publicitária; é necessário entender como a cultura digital brasileira opera e quais são os gatilhos emocionais que levam a esse nível de engajamento.

Estudos indicam que mais de 82% dos usuários brasileiros seguem pelo menos uma marca no Instagram, e o país está entre os três que mais consomem conteúdo digital no mundo. Esse comportamento já vinha sendo observado no mercado publicitário, mas nunca havia se manifestado com tanta clareza em um evento global como o Oscar 2025. Se antes a influência digital do Brasil era vista como um fenômeno regional, agora tornou-se impossível ignorá-la. O episódio mostra que, ao contrário da percepção tradicional de que as grandes indústrias do entretenimento e do consumo ditam as regras, o poder está cada vez mais nas mãos do público – e poucos públicos são tão engajados e barulhentos quanto o brasileiro.

O mercado de influência digital foi impactado diretamente por esse episódio. Marcas que antes investiam prioritariamente em campanhas voltadas para os Estados Unidos e Europa já estão começando a reavaliar suas estratégias, reconhecendo que, em termos de engajamento, o Brasil é uma potência digital. O marketing de influência, que há anos se baseia em métricas como curtidas, compartilhamentos e comentários, precisará ser reconfigurado para levar em conta a força da audiência brasileira. Um post patrocinado que alcança um milhão de curtidas nos Estados Unidos pode ter um impacto menor do que um post que recebe 250 mil interações no Brasil, simplesmente porque o comportamento do usuário brasileiro envolve não apenas números, mas conversas, engajamento contínuo e apropriação cultural do conteúdo.

O engajamento de “Ainda Estou Aqui” não é uma ação isolada; ele representa um marco na história das redes sociais e do consumo de cultura digital. Se o Oscar é tradicionalmente um termômetro da relevância cultural e artística de uma produção cinematográfica, o comportamento do público brasileiro no Instagram da Academia mostrou que, no mundo digital, a relevância não é determinada apenas pelos vencedores da estatueta dourada, mas pela voz de quem está interagindo com o conteúdo. Enquanto os críticos e especialistas debatiam os méritos técnicos e narrativos dos filmes indicados, os brasileiros já haviam decidido qual era a história mais importante daquela noite – e fizeram questão de garantir que o mundo inteiro soubesse.

Este episódio entra para a história como o momento em que o Brasil não apenas venceu um Oscar, mas redefiniu as métricas de engajamento digital. Nunca antes um público havia exercido tanta influência sobre uma premiação dessa magnitude, a ponto de forçar mudanças na comunicação da própria organização do evento. Se há uma lição a ser aprendida, é que ignorar o Brasil no cenário digital é um erro estratégico. O país não é apenas um dos maiores consumidores de redes sociais do mundo – é um dos maiores protagonistas da era digital.

O Oscar 2025 consagrou “Ainda Estou Aqui”, mas quem dominou as redes foi o público brasileiro. E, se há um prêmio que ninguém pode contestar, é que o Oscar de engajamento pertence ao Brasil.

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